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Lá ao longe havia um tempo



Nenhuma árvore se importou com a loucura do nosso vento
nenhum pássaro caiu atordoado desse céu onde jaz.
Nem os montes mais distantes
se abateram ou se elevaram sobre o ar onde repousa,

o vazio total do meu desalento.
Ou cresceram folhas ao contrário, em lugar de palavras,
frias, como primaveras deixadas ao acaso, pendentes.
Tudo isto aconteceu faz tanto tempo
que os dias não avançaram, foram contados para trás
murchados em horas de dúvidas onde a noite pousa
a ruína desta história de amor e tempestade.

Quis contar-te sobre as magnólias em flor,
sobre a urze de teias e sobre o pico da criação.
Quis escrever-te o mundo num peito só de terra.
Pintar-te o mar no olhos num azul brando de acalmia.
Quis pisar o verde da erva, passada já a geada da sua destruição.
Contar abelhas ou joaninhas entre as flores do nosso dia.
Anotar todas as inflexões da tua boca
entre trinar de um pássaro e o assobio da minha dor.
Nenhuma vastidão presenciou o fim da nossa idade
Nem uma réstia de luz ali ficou, ao alcance desta mão.

A cicatriz daqueles campos há-de sempre permanecer
cheia de dentes de um sangue que a noite esconde.
Quatro riscos de um eterno outono,
perfilados num horizonte que jamais quererei ver.
E que te peço também que mais ninguém o veja.
Mas onde estiveste tu durante esta estação, onde?
Descobri-te entre um sono profundo e a luz do dia seguinte.
Pois que assim seja!
Cairemos os dois no lugar deste tão doce morrer.
Em ti adormeço, como o orvalho num prado.
Até a noite que é a noite, morre sempre de manhã,
quando a luz derrete a água que dorme aqui ao meu lado.

"Jardins Exaustos de Pele e Osso"
Auto-publicação 2015


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