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Beber mata os Anjos novamente.



Foto: Casimiro Teixeira













Onde estão todos os anjos guardadores,
que me prometeram em menino?
Desbaratados...
Fugidos em terror, dos meus mais íntimos cercados,
andam tristemente a monte e sem sorte.
Não restou um sequer que fosse digno desse destino.
Encontrei-os a todos, ontem,
reunidos, numa noite de descobertas,
enquanto sonhava com o Marlon Brando
de um tempo anterior à sua morte,
e afligia aos gritos, o resto dos incréus moradores.
Desbaratados,
num espaço sem fim, sem ar respirável.
Quiçá só um fumo sem origem ou comando
ou um miasma reluzente,
aqui debaixo, dos lençóis e das cobertas.
E o tempo a estender-se como uma mão que cobre.
Há que vencer este tempo tão pouco admirável!
Desbaratado,
anseio pela grande partida, por viajar, por ser crente.
Fazer um safari pelas nuvens já desprovidas e saneadas

de anjos, selvas e pagodas.
Desertar todos os ninhos e a felicidade que sobre.

Encontrei-os nus sabem? Tremendo, como virgens recém violadas.
E ri-me tanto, Ah, rir é coisa de quem nunca desmente.
Pode-se fingir o riso numa física de modas,
mas nenhum será igual à fúria da verdade.
Triste desbarato, tão triste ser acabado.
Desbaratado.
Mas, foi o que o foi. Excisão de alegrias e dores.
Por dentro dos sonhos invertem-se as imagens.
Agora escrevo sem vontade alguma. Faltam-me anjos nas palavras.
O poder jaz noutro lado e eu, Eu fiz-lhe a morte providenciada,
numa atroz ansiedade, sim, eu sei...
uma purga falhada entre os doutores,
de querer ser maior dentro da cama grande dos senhores
tão grandes,
dos enormes e excelsos,
dos mais perfeitos, os mais belos e queridos
Escritores
(que nunca, jamais serei.)




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