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Humpty-Dumpty


O Muro

(Ou: os jovens escritores são todos uns filhos da puta oportunistas e do piorio, sem ofensa para as pessoas do piorio, que não merecem ser comparadas a jovens escritores.)

Um escritor de meia-idade está diante de um muro, sobre terra mole, coçando a cabeça, o queixo, ponderando em como descalçar a bota - isto é, escalar o muro - e passar para o outro lado. Está nisto há horas, dias, meses, anos. A dada altura chega um jovem escritor apressado, há que perdoar, é típico dos jovens escritores estarem apressados, não tarda nada ficam velhos e já não podem ganhar o Prémio Saramago. O jovem escritor pede ao escritor mais velho que o ajude a subir, entrelaçando os dedos das mãos, dando um apoio para os seus pés. O escritor mais velho pergunta-se por que motivo não se oferece o jovem escritor para ser ele a fazer de apoio. E, como que lendo-lhe os pensamentos, o jovem escritor diz, sorrindo: "Deixe estar que eu depois ajudo-o! Só que é melhor eu ir primeiro, que sou mais leve!" O escritor mais velho aceita e lá faz o que outro pede. Com o peso, o escritor mais velho afunda-se até aos tornozelos, mas lá consegue ajudar o jovem escritor a chegar ao cimo do muro. Então, quando o escritor mais velho estende a mão, à espera de uma ajudinha, o jovem escritor diz: "Lamento, estou com pressa." E pisga-se, do outro lado do muro.
O que o jovem escritor infelizmente não sabe é que do outro lado do muro há:
1) Um Dragão
2) Outro Muro
3) Uma pilha de jovens escritores que aterraram mal ao saltarem o muro
4) Um precipício
5) Um editor.

(As soluções serão apresentadas no próximo número da Flanzine, ou do Expresso, ou do Diário Económico, sei lá.) 

Rui Zink 
in Flanzine nr. 9+1 MURO

Alegoria muito divertida, e assaz certeira nalguns aspectos. No que falha é em responder a certas e determinadas questões fundamentais, como sejam: Um jovem escritor será qualquer um, independentemente da idade que o tempo lhe ditou, que começou agora a escrever, ou, de outro modo, será antes algum jovem fodinhas imberbe, que já escreve umas coisas há algum tempo mas ainda não teve a boa sorte de conseguir aterrar no padrinho certo para almejar a conquista do tal Prémio Saramago?
Será realmente a meta a idade e/ou o talento do escritor em questão, ou simplesmente o tempo e as oportunidades disponíveis de estádio em estádio. De muro em muro?
Por outro lado, o escritor mais velho, poderá ainda assim ser considerado, mesmo que ninguém dele pouco saiba, ou precisa aparecer na RTP Memória para ser rotulado de velho, e, quem sabe até, de escritor?
E ainda, terão as putas, em cima de tanta má fama que já carregam, de levar ainda com esta, de parirem filhos assim? 
Alguns deles, que nem são políticos nem presidentes de bancos, somente infelizes sonhadores, a maioria, grandes talentos literários por descobrir, alguns raros espécimes, e que só, por A + B, ainda não escaparam do mesmo saco convulso de tanto macaco solitário, que enfim, só querem mesmo escrever, e ver as suas coisas agregadas no brilho de um livro seu.
Terá de ser assim mesmo tão confuso e oportunista, esse "pot-pouri" de velhos e novos, apressados e amadurecidos, "senhores" e " cabrõezinhos"?

Boa malha Sr. Zink. Vê-se bem que já deve ter perdido muito cabelo à custa de muito chato pedinchão. No seu lugar sentir-me-ia lisonjeado, mas ainda não encontrei bem a minha idade exacta na descrição do seu texto, logo, dar-me-ei o benefício da dúvida.
Qualquer dia ainda lhe peço para me ler um texto qualquer. Estou ansioso por saber da sua justiça de Salomão.
 

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