Na sua infinita sapiência, a minha mãe sempre me ensinou o mais elementar de uma boa educação: pedir "por favor" dizer "obrigado" no fim, dar lugar às nossas ideias sem nos afundarmos em receios sem sentido.
Por isso me obrigo à polidez de pedir perdão a todos aqueles aos quais possa este curto texto vir a ofender.
Isto dos cemitérios serve para quê afinal? - Mau! Não era tanto. - Isto de se ir aos cemitérios no dia de hoje, romarias de gente carpideira a xurdir gestos em redor de um pedaço de mármore e ferro fundido, serve para quê afinal?
Soa-me a cagufe desmedido, entranhado no sistema límbico de todos, por séculos e séculos de imposição judaico-cristã. Caramba! Mas ninguém quer sair de uma vez da caverna?
Fechem-se lá na vossa omnipresente moral privada, e não tragam cá para fora visões falsas de dias inconscientes. Além do mais, sei, porque ouço e assisto ao mundo em meu redor, que tudo isto vos irrita sobremaneira, é uma chatice do caraças terem de se deslocar, terem de gastar, terem de falar com familiares afastados pelos anos e pela falta de afecto real por aqueles que ainda estão, realmente ao vosso lado, vivos! - Mais um aborrecimento anual desnecessário. - Terão os vivos sucumbido ao masoquismo exacerbado em prol dos mortos? Disparate!
É tudo um sistema infernal de existência por procuração. E o colocar de uma flor numa campa tão destratada é essa procuração. Mantêm a vossa validade de cuidadores por mais uma época.
Os mortos que amamos, não precisam de nós para nada. Carecemos muito mais nós de os mantermos vivos na tempestade da nossa memória tão efémera. E será sempre assim, até ao fim dos tempos.
O bicho-humano receia muito mais a perspectiva do outro, directamente ao seu lado, do que manter viva essa lembrança. Parecem criaturas só feitas de intenções públicas, nulificando-se no privado durante um ano, mantendo tudo em aberto até ao próximo dia 1 de Novembro.
Para mim isto torna-se tão confuso. Será mesmo necessário perpetuar este sistema? Praticá-lo de ano para ano? Não seria muito mais humano tomarmos logo consciência de que não necessitámos de nenhum sistema físico e perpétuo para os mortos, além daquele que nos alimenta a sua recordação no interior?
Falei-vos na instrução da minha mãe, pois é a única que trago sempre comigo, tão ou mais viva cá dentro, como no tempo em que tinha corpo nesta terra. Preciso muito dela, mas já não lhe faço falta alguma. Nem de acesos brandões, flores garridas, água cristalina ou rezas em surdina ela carece, somente eu necessito de não deixar apodrecer a sua memória na minha mente, apagar a sua imagem da minha saudade. O resto não passa de um episódio bíblico de vendilhões e soberba.
Deixem-nos em paz se os puseram em algum lugar, e deixem de os pôr em lugares assim. Por favor!
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