A minha vida nada formigava em roda-vivente corria o ano de 1990. Era de uma tal timidez nesses idos anos que nem me atrevia a ver o filme "Verdes Anos", com a devida atenção, com receio de ganhar musgo nas articulações da alma.
Trazia paixões medianas encaixadas em todos os lados, a ver se um dia acertava naquela que me arrepiasse de cor a pele branca e macilenta. Todavia, como em quase tudo nos anos 90, sobretudo em homens ainda mal formados, de gerais patentes, mas escassos de experiência, não passava de um resto da exuberante década anterior. Logo eu, que nunca fui de modas! - Ainda uso roupas e calçado que guardei desses anos, mediante as flutuações permissíveis do peso atómico da carne. - Vinte e cinco anos depois, a moda acabou por me apanhar numa esquina vintage, e continuo tão azeiteiro como nessa altura.
Aquele tempo todo foi engolido pelo mato selvagem, excepto um pedacinho. Uma porção quase insignificante de tempo, que, de todos os modos, poderia igualmente passar despercebida, não fosse o caso de ter sido aí que o resto da minha vida viria a fazer sentido.
O dia era o 4º, do terceiro mês desse ano. e eu, por ser o segundo mais velho de um grupo unido de 4 amigos, já levava um mês de avanço na maioridade. Nesse dia celebrava-se o 18º aniversário do terceiro da lista, e foi então que a minha vida inteira mudou.
Ninguém nunca aguarda por nada, especialmente agora que a velocidade de tudo acelerou de tal forma, que mal se sabe ao que nos agarrarmos com vivacidade. Isso são outras questões, muito mais modernas. Naquele dia não faria qualquer crença no futuro, mesmo que possuísse uma bola mágica de cristal que mo mostrasse.
Não passava de um picuinhas mal refeito dos dezoito anos de formação óssea, vestido como um agente funerário em risco de falência, e com a mesma disposição formal de trato. Antecipando no rosto a moda visceral dos vampiros, e mal conseguindo disfarçar orgasmos ténues enquanto ouvia The Cure.
Se alguém me dissesse: "Hoje vais encontrar o amor verdadeiro!" - Provavelmente ter-me-ía atirado à primeira sanita disponível e vomitado com todo o vigor de que ainda dispunha. Mas não, lá voltei ao palco assustador da festa.
Saber pisar aquele chão foi assunto de vida ou de morte para mim. Agora, com raízes que preenchem todas as paredes que me cercam, entendo que a melhor decisão que tomei, sempre, foi essa. Estar ali, e conhecê-la. Estar ali, e começar a viver, com ela, criou uma pessoa melhor do que aquela que alguma vez poderia almejar vir a ser.
Cinco anos depois casamos. 1995. Aproximámo-nos, sustivemos as mãos nas mãos, dançamos, aliviando os pés à medida que estes se íam afeiçoando ao chão que pisávamos. O tempo encorajava-nos: "Pisem-no como quem ama.", e sem darmos conta, passaram-se vinte anos.
Hoje.
Sorrio, como quem já não carece mais de tradução de quem sou. Nunca escutei outra história menos carecida de beleza como esta. Ainda que tenha lido e visto inúmeras. Se se constituíem como amor a parceria, a entrega indivissível ou os nomes de uma casa bem edificada, não sei. Entendo que há uma brecha no espaço quando nos separamos, que de súbito, ainda vejo luz no rosto dela quando me observa despreparada, e se tivesse sempre um espelho à mão, provavelmente veria o mesmo.
Ela ainda ri, acreditando ser brincadeira. Porém, nunca recuo os meus os olhos ou o meu enleio, como naqueles tempos passados. Para mim, toda ela é sem ruga, sem cicatriz de tempo; um flagrante de amor, em cada novo dia, e neste dia dos meus vinte anos de casado, sei o que é dar valor à permanência do tempo, consistindo-nos juntos, o máximo possível.
O amor não é uma crença tola, é um desafio diário. Acreditá-lo duradouro, não é função de nenhum sonhador, é meramente uma fortuna rara.
Comentários
Enviar um comentário
Este é o meu mundo, sinta-se desinibido para o comentar.