Coisa estranha ouvir isto no meio da rua, nada daqueles afastamentos convenientes dos loucos ocasionais, que falam por tudo e por nada enquanto caminham: "Choraminguices não enchem chouriços, e são os chouriços que se comem, não as lágrimas de crocodilo." - Mais estranho ainda foi ter a clara percepção de que a velha se dirigia a mim, pessoalmente, como se me conhecesse faz tempo, e soubesse toda a minha história parva de desperdício.
Aproximou-se de mim com a boca carregada destas verdades misteriosas, cada dente uma munição de certeiro ciclo inflexível, e por cada dois passos covardes que eu desse para trás, ela cuspia esta ladainha em projéctil crescente, mais e mais ameaçador na linha da minha direcção abafada de reacção.
Foi só quando me insultou a sério que descansei. Lá deve se ter cansado de dizer verdades e voltou à incúria da sua ladainha de marinheiro. Ao tempo do primeiro "cabrão" suspirei de alívio, quando se pôs a esbracejar epiléptica chegando-me a merda ao juízo, mesmo assim fiz por me manter tranquilo e contido. - O que podia aquela velha saber sobre mim afinal? - Todavia, aquela boca demente, não tinha remédio à vista, e logo que me arremessou o primeiro "filho-da-puta" à queima-roupa, quis escapar lesto daquele suicídio social em praça pública. - "Filhos-da-Puta desistem sem pensarem nos outros. Filhos-da-Puta desistem sem conseguirem comer uma fava sequer."
Procurei com os olhos uma escapatória. Perto da estação do Metro, havia marcas nos paralelos que diziam "Táxis" em gordas letras. Corri para aí com os dentes falsos a doerem-me menos que a alma injuriada. Tudo inútil. Jamais algum táxi fez praça aqui.
Puta da Velha, apanhou-me a jeito! Até os Táxis conseguiu evaporar do meu alcance, como se estes tivessem direito à greve, os badalhocos.
Lá tive de retirar, humilhado, justo até ao café e ouvi-la pela vitrina em voz de megafone: "Vai para casa escrever seu Crica de Merda, vai para casa e fica lá até seres alguém!"
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