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Vinte e sete de Julho


A força surgiu por me ter aberto por completo, contaminando-me na única humanidade que conheço. Deixei a liberdade de expressão ser uma peneira extrema, na dimensão das minhas mais profundas frustrações. A fraqueza, acabou por ser essa mesma abertura, perante a pessoa errada.
Seria muito bonito se pudesse insinuar lamúrias e alguém as entendesse por aquilo que são, transformando-as no racionalismo que lhes advogo. Não há razão alguma que faça feliz um optimista por esta altura, seria quase um encanto de conto-de-fadas, se de algum modo pudesse inverter o dogma actual, de se ser sempre forte e altivo, apesar de tudo. Seria tão bom! - Ser-se fraco finalmente. Finalmente livre para se ser fraco e não esperar represálias nem discursos comiseradores. E se eu tivesse cancro por exemplo? Pode muito bem ser que tenha. Eu fumo, eu bebo, como mal e não me importo com o corpo, porque o corpo é apenas uma existência fugaz. - Mais poesia, dir-me-ão. - Seria mais digno de nota, ou mais perto da vossa atenção indivisível? 
Se rapasse o cabelo todo e me fingisse canceroso em luta, e me alterasse também isto o discurso, fazendo fé nas vossas lágrimas virtuais. Seria melhor pessoa aos vossos olhos? Não passaria tanto por ser um lamechas patético, mais um proveitoso receptáculo das vossas próprias desculpas. Ah! Poder ser importante por alguns momentos, que sonho de conquista, chegar a ser um ícone da força, um herói deste delirante quotidiano!
Mas, um comum herói que não desaba de véspera à noite eterna. - É só isso que se espera de um herói nos dias de agora. - E tudo o que disse antes só merece a estaca da fogueira, de tão insensível.
Mas quem define exactamente a insensibilidade, quem deriva melhor do grotesco e dá a mão à pessoa certa? Aquela mão quente e inspiradora que todos procurámos? - Lembrem-se que a minha força nasceu de uma abertura, e agora isto.
Hoje, dia 27 de Julho, voltei a beber. Caí na facilidade de chorar sozinho apenas porque pressenti a desistência no horizonte. Não a vossa, que persistis indómitos face à velocidade insípida destes tempos. Só a minha. Apenas a minha. Não sei se a morte ou a fragilidade de carácter realmente me circundam, não lhes dou hipótese científica. - Ouço os conselhos e volto ao mesmo, porque acredito na inevitabilidade. Tenho uma fé tão grande no imutável. Não percebeis isso? Estamos rodeados de senhores do mundo, e qualquer mundo que seja só vosso, terá sempre um líder por cima. E, se este demandar que vós não existam, vós nunca mais existireis. É assim, e nem me ponham aqui a falar dos "amigos", que me tornei tão desamigado desta existência....bem! 
Os que dizem que nada está escrito, nem sequer deveriam ter a audácia de escreverem fosse o que fosse. - Claro que tudo está escrito! Ninguém escreve novidades, apenas variações disso. 
Voltei a beber sim, e fumei também umas coisas de que me orgulho, porque cruzei mares movediços e imaginei montes de névoa num futuro de inutilidade. Até voltei a escrever poesia, vejam lá o quanto lutei contra a utilidade. A própria expressão; "voltei a escrever.." já é, por si só, a maior de todas as inutilidades.
Estou tão lúcido!
Vinte e sete dos mês sete do ano quinze do novo milênio! Um homem nunca quer fazer contas ao tempo, porque o receia mais que tudo. Um homem que não quer ter memória pode ser mais forte que qualquer um. Morto que esteja já, nunca se poderia dar a outro esplendor igual. O Futuro e o fim do Futuro, seriam uma e a mesma coisa política. Entendam que falo de uma política diferente. Falo de me queixar sozinho como um Homem a sério deveria fazer. Nenhum homem se queixará em público nestes tempos, esperando ser levado a sério? Nenhum! - Só aqueles que já nem se consideram assim.
Como se fossemos comunistas e fascistas em simultâneo. - Acham isto muito complicado? Não é. - Dedica-se tanto tempo precioso ao vácuo. E, em cada ouvido errado onde se empurra quem somos, nus, morre-se devagar. Este tempo assim o proporciona. O bom discernimento tornou-se num luxo de poucos. - Quantas vezes não te entregaste a uma longa e dedicada conversa com alguém que pouco se interessou pela tua carne renascida?
Não paga a pena continuar neste discurso, como me diria a minha mãe. - Estava tão certa, e só agora percebi. Ninguém nos paga as penas de falarmos apenas sobre nós, é tudo demasiado global agora, e o indivíduo que se queixou ao outro indivíduo tornou-se tão obsoleto que decidiu o suicídio social. E, está muito bem assim.
Está tanto calor lá fora. Estamos em Julho, aos 27, e eu só queria a oportunidade de uma vida. Ser lido!


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