Avançar para o conteúdo principal

Piquenas estórias de amore VI




Soube mesmo agora que se cometem crimes por amor mesmo aqui à minha porta. Percebi logo que aquilo era um paraíso em ruínas, quando soou a primeira derrocada, tomada de nervos ao telefone, e que por fazer tanto barulho me incluiu, sem querer.

A primeira fronteira violada foi a da pele. Imenso limite do corpo, que encerra e define o líquido todo que nos faz. Estava toda ali, em ebulição de gestos furiosos, fervorosos. Por sinal, alguém a agredia às bofetadas do outro lado da linha. Depois, ela, (sim, era uma rapariga. Brasileira, por sinal) juntou-lhe a língua inteira, demarcando-se do território dele, tão minimalista, que me pareceu partido, como um labirinto sem saída.
Nunca perceberei se algum Adão moderno se prontificaria para se agarrar tão intrinsecamente a uma qualquer Eva, mas neste mitico corpo que assisto, partiam-se algumas costelas do coração mesmo debaixo dos meus olhos.
Ignoro ser capaz de me colocar a jeito de saltar para a represália de alimárias primitivas, mas dava para entender que a outra voz era surda, e de puro banditismo, pois sempre que não a ouvia, ela mais gritava. Sem medo e à sorte do eco pela praça. 
Chega por fim um troar, que só me explica a canga normativa da relação: " és meu marido, não sou tua amante. és meu marido, meu marido, meu." - e aquilo se foi erigindo para definir um dentro, um fora e a membrana que aparentemente os unia. 
Haveria ali motivos para se falar de amor e de mortes em tribunal? Pois, não sei. A terceira infracção surgiu com o batimento dos seus pés assaltados, e com lágrimas, muitas, tantas lágrimas. Um combustível que vertia daquele temporal alheio.
Não consegui determinar a fuga daquele amor intempestivo. Ela rasgou-a debaixo dos meus olhos quando desligou o telemóvel. Reparei sim, e talvez esteja aqui a origem do crime, que tinha uma barriga cheia de gente, e os dedos em fisga a dispararem desilusão.


"Adam & Eve" - Esgar Acelerado

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci

António Ramos Rosa, in "O Grito Claro" (1958)

Três!

  Fui e sempre serei um ' geek '! - Cresci com o universo marvel nas revistas que lia em um quase arrebatamento do espírito em crescimento. O mesmo aconteceu-me com " Star Wars" , e com praticamente todos os bons  franchises que me animassem a vontade.  Quando este universo em particular, ( marvel ), surgiu finalmente em forma de cinema, exultei-me, obviamente. Mais ainda quando tudo se foi compondo em uma determinação de lhe incutir um percurso coordenado e sensato. Aquilo que ficou conhecido como MCU (Marvel Cinematic Universe). A interacção pareceu-me perfeita. Eles faziam os filmes e eu deliciava-me com os mesmos. Isto decorreu pelo que foi denominado por fases. As 4 primeiras atingiram-me os nervos certos e agarraram-me de tal maneira que mormente uma falha aqui ou ali, não me predispus a matar o amor que lhes tive. Foi uma espécie de idílio, até a DISNEY flectir os músculos financeiros que arrebanhou sabe-se lá como, e começar a comprar tudo o que faz um '