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Um desabafo do caraças!



Isto é só para ventilar, não tem necessariamente de ser algo muito importante.
Em tempos julguei que escrever coisas bonitas me bastaria para arranjar casamento. E bastou-me, sim. Só mais tarde dei graças ao meu espírito rebelde, por me ter conseguido esta maravilha que ainda dura e cresce. Só que depois, e não tardou muito a ser depois, amaldiçoei-o pelo mesmo motivo. - É que eu não sabia, que andaria ali às voltas, por muitos anos, proibido de dizer o nome daquilo que realmente queria ser.
Pode ser que isto ainda me traga algum dissabor, mas os casamentos também têm disto; é um desses mistérios que não surpreendem ninguém: acanhamo-nos de sermos totalmente verdadeiros, fazemos contínuas racionalizações, tentando sentirmo-nos melhor, atirámos vez em quando, uma ou outra mentira piedosa para o ar, no intuito de fazer o outro sentir-se melhor, e tudo para conseguirmos ficar mais próximos da perfeição. E no fim, é inútil, nunca lá chegamos.
Até no mais puro dos amores o medo nos apanha a jeito. Crêmos, insensatamente, que dizer aquilo que mais nos completa, assustará irremediávelmente quem mais nos ama. - Tolos! - Quantos divórcios não terão surgido disto?
Até que um dia, por fim, algo nos desce ali na zona do baixo ventre, algo nos cresce na surdina da vontade indómita que bombeia sangue, e sai-nos, dizemos tudo! É uma purga arriscada, asseguro-vos, mas, se se tiver bons reflexos, faz-nos a vida inteira daí em diante.
Afinal, que tipo de gente consegue dizer a sangue-frio ao seu parceiro: "mori, não quero mais trabalhar a emitir facturas e a fabricar fichas de produção. Em vez disso, quero é escrever romances!" Não são as palavras mais fáceis de se proferir no decurso de uma vida a dois, acreditem. Todavia, também não são de todo impossíveis.
Há quem me olhe de esguelha, desconfiado, há até quem me chame de sangue-suga de boca velada, e nem replico nada em contrário, mas prefiro imaginar-me como um digno receptor de um consciente e pragmático mecenas moderno. E em boa verdade é mesmo isso, sem receber contrapartidas, trabalho finalmente naquilo que mais me realiza, e ao preço simbólico de um bom dono-de-casa, que consegue manter o ambiente familiar ao estilo de uma família americana da classe média nos anos cinquenta. É um bom negócio, visto de qualquer ângulo
Não fazendo mal a ninguém, não vejo como a continuação da escrita de coisas bonitas, possa senão abraçar e fazer crescer o mesmo casamento que me arranjou, e se ambas as partes envolvidas assim o acreditam, não vejo também como a outros isto lhes possa dizer respeito. E é por isso que este pequeno texto não passa de um mero desabafo. Tudo está bem, quando continua bem.


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