Na sua grande maioria, as pessoas raramente confessam, abertamente, as coisas mais daninhas que nascem de dentro dos seus filhos.
Em conversas mais dilatadas com amigos, que são também pais como eu, e que até vão criando rebentos da mesma idade que os meus, fico sempre com a ideia que alguns são tão pacíficos que até os devem aborrecer de morte, e outros, tão completamente selvagens que até a mim me assustam. O que dificilmente consigo lhes arrancar nestes debates, é o meio-termo da verdade absoluta. E isto porque se convencionou como algo de muito mau-grado, dizer a outrém, amigo ou não, a verdade, verdadinha sobre a filharada. - Prece mal ele saber. -
"O meu filho é.." sempre isto ou aquilo, muito mau ou muito bom (normalmente é excelente), nunca encontrei nenhum que me declarasse em confissão que aquele filho, o Arnaldinho, míudo de quinze anos, bigodinho à chico fininho, e modos à Hitler, é secretamente um barão da droga em miniatura, todos os dias entre as 4 e as 5 da tarde, por trás do pavilhão C. Que a Quica, a mesma que adormecia de cabeça em cima da sopa, e saltava de felicidade ao ver a ovelha Choné, se anda a vender por diamantes de fancaria, dentro do armário das bolas no ginásio.
Ninguém diz estas coisas a ninguém, nunca, mas que podem acontecer fora do meu imaginário, podem sim.
Até é provável que exagere aqui, que sucumba demasiado ás hipérboles, é. Contudo isto irrita-me sobremaneira. Porque, se não existem filhos perfeitos, (ainda não conheci nenhum dentro do meu círculo), a maior parte destes vivem com as cabeças dentro de uma nuvem. Todavia, necessariamente, também não poderá existir perfeição na paternidade que se encontra no outro lado do espectro. - "Não, não.." insistem estes, "o meu filho é..." e a ladainha perpetua-se na auto-mentira ad infinitum.
Pois que venha a tempestade, que chova verdade a cântaros; o meu filho é repetente no 10º ano, e hoje fui chamado à escola para discutir com o director de turma o curso de acção para se resolver o seu problema de falta de assiduidade, de comportamento e de vontade na progressão escolástica, no geral.
Inclusivamente, hoje de tarde, (primeiro dia de férias de natal) o meu filho irá cumprir um castigo comunitário compulsivo, no campus da escola, por ter incendiado uma folha de alumínio dentro do pavilhão de ginástica, só para ver que cores de fumo dali surgiriam. - Diz que nem foi ele, que se atravessou na linha de fogo para defender um amigo mais fraco. - Até me poderia sentir orgulhoso por este seu acto heróico, mas a verdade é que ele diz o mesmo quando acaba com o meu pacote de bolachas favoritas, sem admitir tê-las comido todas.
Enfim, tem dezasseis anos, e isto diz muito para a explicação cabal deste texto. Por tudo, pelas más notas, pelo mau comportamento, pela falta de comunicação, pelo seu niilismo face a um futuro que nem lhe apetece muito pensar, vejo-me confontado com a decisão de ter de o manter quase em prisão domiciliária, pelo período deste interregno. Efectivamente, e sem bem compreender porquê, transformei o meu filho numa espécie de José Sócrates em ponto pequeno, ainda que nem beneficie da perrogativa de uma possível inocência. (Treta!) - Como a adolescência de agora me assusta tanto, não encontrei outro remédio para isto, transformei o meu lar, num estabelecimento prisional natalício, e o meu filho, no seu único ocupante.
A única diferença é que, admito os meus receios, assumo a minha incompetência, e, exponho-a aqui, aos olhos de todos, na esperança de algum bom conselho que me possa ajudar, a mim e a ele. Tudo o mais, só tempo resolverá, a mal ou a bem.
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