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Adeus Gaspar...



Este pequeno texto é só sobre dor. 
É realmente pequeno, mas, fica desde já feito o aviso à navegação de todos quantos nunca sofreram pela perda de um animal que amaram. Se nunca o experimentaram:

- Não leiam o resto deste pequeno texto.

Desde Novembro de 2005 até ontem, tive "alguém" na minha vida que me pressentia tudo melhor que eu próprio. E digo "alguém", entre aspas, porque nem sequer era pertença da família da minha raça,  ou tampouco da minha própria espécie. 
Não importa. Quem disse que, um homem doente deitado numa cama, precisa necessáriamente do carinho de alguém da sua espécie? Quem disse que, quando a cabeça nos escapa no turbilhão da demência só a mão humana nos surge, do escuro, e nos faz adormecer no sossego do vento que se deita sobre as árvores? Quem disse, que nos melhores momentos, de altura de saltimbancos e sorrisos de nuvem, haveria de ser outro, senão um gato, a libertar-nos as bainhas da camisa, a abrir-nos os lábios num sol impossível, a olvidar as manchas de suor das correrias de alegria? - Quem?
Terei quiçá sonhado com tudo isto. Pode ser que estes quase dez anos tenham passado nas costas de um anjo, posso até ser um cabrão de um lírico sem juízo, posso ser tudo o que quiserem que eu seja, eu já pouco me importo com o que de mim dirão, porém, tu estiveste sempre lá. Sempre aqui.
No meu colo, nas minhas mãos, aninhado no nosso calor. - segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, quinta, sexta, nas pontas dos meus dedos, com o fio das tuas unhas, harmoniosos, como se nem fossemos vistos no meio dos adultos, só duas crianças a brincarem sem regras.
Eu adormecia entre a suavidade do teu alvo pelo e tu, tu acordavas pousado no meu rosto. Nenhum reclamava as noites que dormiamos de costas ou os dias que chorávamos cara a cara. Cantávamos apenas, um ao outro, na nossa própria língua, e, os dias assim prosseguiam, sem pressa alguma.
De repente, os dias esqueceram-se de nós, apressaram-se a levar-te para onde não te alcanço com nada físico que tenha disponível. Os dias mataram-te cedo demais, e sem que eu os pudesse deter. Nunca os perdoarei por isso. Nunca esquecerei o pouco tempo que os dias e as noite nos deram. E, se ninguém quiser entender isto, estou-me marimbando. Fazes-me falta Gaspar, perdi-te à morte, como já antes perdera todos os amigos humanos que o nosso tempo de gente me roubou. Aquele tempo que só foi maravilhoso, enquanto fomos meninos, donos da mesma linguagem que me fazia compreender-te.
Agora fiquei só de todas as infâncias perdidas, obrigado a recomeçar, como se conseguisse. Não é justo o tempo meter-se nas contas das diferentes espécies, como um deus vingativo que não aprendeu a ser criança. Não é justo, não! - Nada disto pode ser justo, sobretudo no Natal.

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