Num supermercado, não muito longe daqui, uma mulher segura um livro. Está sentada no chão mal higienizado do supermercado, lê-o muito concentrada, completamente alheia aos olhares dos estranhos que passam por si indiscriminadamente. E foram tantos. Não contando com o meu, escondido atrás do topo das canetas de feltro, dos lápis e dos cadernos do regresso às aulas, contei mais de cinquenta, quase um tempo à justa para se ler um capítulo em paz.
Ali permaneceu, muito quieta, em postura de meditação. À sua volta um torvelinho frenético, porém, nada a atingia. A funcionária do balcão de informações relanceia-lhe os olhos, quer expulsá-la daquela calma, para que o frenesim prossiga a sua rotina normal, mas não consegue, ficou presa no mesmo fascínio que me prendeu a mim.
De repente, uma massa conflui nos portões electrónicos. Fura-bandulhos todos eles, aos empurrões e cotoveladas, a revezarem o turno dos que saíam carregados de sacos de plástico. Haviam bons descontos naquele dia, demasiado bons para cairem na contramão da solenidade. Como trocar um bom desconto por aquele mistério?
A mulher pousa o livro na prateleira, levanta-se e sai do supermercado.
Saí do meu esconderijo no mesmo momento. Não consegui mais aguentar cá dentro, a força da curiosidade. Tinha de lhe deitar a mão. Quando me aproximei percebi logo, que nunca poderei deixar apagar-se a vontade de conseguir chegar assim a alguém. Sorri sozinho, e saí também.
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