De tudo o que jurei nunca mais fazer, e não foram poucas, as coisas em que falhei juramentos categóricos, a determinação em não mais pagar para poder ser publicado, foi aquela onde depositei a minha parte íntegra maior.
Poder viver um resto de uma vida inteira sem voltar a existir em papel pago, seria a maior das minhas conquistas. Não coloco aqui o verbo no condicional, por ter voltado atrás, só por querer. Esta atrocidade mental de publicar, seja por que modo ou razão, revolucionou o mercado editorial, criando novas "chancelas editoriais" todas elas cabotinas.
A lei diz que, havendo quem te procure, lá terás de lhe oferecer aquilo que deseja. Fico danado por saber que as leis, são criadas debalde, por quem entende bem o vulcão do dinheiro, e dele se serve bem, ao contrário dos que o alimentam sem se aperceberam da explosão iminente a que se submetem.
Foi por isso, ou contra isto, que fiz as minhas juras devotas. Entendo a ânsia, eu próprio fui vítima da minha ansiedade em me ver publicado e vendi todos os direitos de algum dia poder vir a ser bem considerado. É o axioma mais evidente de todos. Queremos a posteridade, como o heroinómano quer a agulha. E o cerco delicodoce do vício aperta-nos tanto, que nos julgamos incapazes de qualquer resistência. Mas não é impossível. Não existem impossibilidades, apenas contrariedades.
Claro que, pouco ajuda, o combate encapotado das editoras "sérias" a esta epidemia. Entricheiram-se no mesmo dogma - o dinheiro - e daqui conduzem a batalha inabalável da edição literária em Portugal.
É que, algumas dessas "editoras" de vão de escada, de print-on-demand, inundam de tal forma o mercado, que já extravassaram o simples conceito de nicho. Há que ganhar esta guerra, e a solução foi o poder dos números. Sempre os números. Assim, as grandes editoras juntaram-se em vastos conglomerados e definiram as suas políticas editoriais, o largo costado da crise, acabou por servir de consolo a tudo e a todos, menos aos autores, mantendo as publicações num status quo que só favorece quem leva ao prelo, nunca quem se quer ver impresso para sempre.
E quem se quer ver impresso para sempre? - Todos!
Chego a pensar que já não existe o "para sempre" na literatura em Portugal. Quantos destes autores bombásticos que lideram as escolhas dos críticos ou o cômputo geral das vendas, serão bem considerados daqui a trinta, cinquenta, cem anos? - Conto dois ou três pelos dedos, mas isso sou eu. E poderão dizer que o afirmo por puro ressabiamento. Têm razão. É mesmo melindre de quem falhou em conseguir chegar a essa mesma posteridade, mas e depois? Conheço um tipo que me diz sempre para não me levar demasiado a sério, para apostar naquilo que me fará mais feliz e escrever apenas. Aprender a escrever e escrever até me doerem os dedos e depois, depois esperar, que tudo acontecerá se tiver de ser.
Nunca fez um gesto altruísta de me ler, nem um bocadinho. É sempre mais fácil disparar conselhos e fazer de conta de que não está ali ao lado uma pessoa a sofrer. Como ninguém que ele aprecia me enalteceu, como não apareci mencionado em lado nenhum de nota, como nenhum editora dessas "sérias" fez a aposta cega em mim, como tudo isto nunca se formalizou num bom retrato de alguém que realmente pode vir a ser considerado, então, não o é. - Trabalha. - diz-me ele. - trabalha muito e talvez um dia consigas.
Ainda hoje recebi mais uma proposta para me editarem um livro de poesia. As condições são as de sempre: Indignidade, desaforo e o X a ser pago à cabeça. Não será o trabalho que esse meu amigo me diz, escrever? Está feito, faço-o diariamente, estou a fazê-lo neste momento. Onde estão os meus campos floridos? Onde estão as oportunidades que ele me prometeu nos seus conselhos? Terei alguma vez direito à minha posteridade grátis?
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