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De noite finge-se amor entre os paralelos.


Naquela noite, mesmo sem o sabermos,
fizemos amor como pequenos deuses.
Havia lágrimas ou tristes ramagens desfolhadas sobre a margens
dos teus olhos,
de cujo brilho verde brotava um rio inteiro,
em cada gota de peixe que deles descia.

Fizemos amor sim, como criaturas solitárias daquela única noite.
Sem hora ou destino marcado, às cegas e às escuras, a minha mão e a tua,
depois o teu peito e o meu peito, paragem abrupta, sem jeito
já havia tanto de nós à mostra. Fizemos amor em andamento.
Primeiro na entrada, depois, a escorregar da relva húmida até á estrada,
depois no carro, depois na saída, nas lajes pardacentas, depois n'areia,
por fim no mar ou na lua, nem sei bem. éramos só um.
E como não soubemos nada sobre esse amor, assim ficou,  
para sempre preso nesse brilhante escuro, 
dos objectos incertos que nos cercavam.
A noite acendeu depois as estrelas, porque teve medo da nossa própria escuridão. 
E todas as lágrimas de todos os ramos sobre a margem do teu sorriso de ouro, brilharam acima da incandescência da tua boca de menina, onde cada dente era uma gota, e cada gota sempre um peixe inquieto, e em cada peixe uma promessa se agitava, como se agitam todas as promessas, no lugar onde se reproduzem as memórias.
Fizemos amor quando te destapei as coxas com um vento vindo da minha boca, 
e quando acordei no escuro gemendo baixinho pelo teu nome. Quando pousei o lençol dos meus braços, no teu peito, lembrando o ângulo das chuvas da nossa infância, e os brandos fins-de-tarde que nos encostavam ao mar. E todas as ruas aos quadradinhos que nos vieram aqui deixar.
Fizemos um amor de filigrana por entre esses motivos de areia entre os teus dedos,
na descoberta de duas carnes de uma só pacífica brancura,
e não terás de saber que me perfumei para ti, que masquei um chiclete por ti, que me vesti e despi sete vezes, que saltei, que me despojei no oceano, que me ri, sem ter razão para chorar.
Que me acreditei a viver para sempre no espaço dos teus olhos, entre as folhagens bravias das tuas lágrimas alegres e o percurso direito desse teu rio, imenso...
Fizemos amor sim,
sem sequer sabermos, que daqueles corpos já nada nos pertencia, desaguavam apenas fios de memórias, para o côncavo só de cada uma das nossas mãos. Inutilmente abertas, na eterna espera de um gesto que se o fizéssemos, seria mesmo assim,
exactamente assim, como este poema!

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