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A Fórmula da Bondade



Não sei nada sobre o que fica por dizer, sobre fórmulas, sobre os arquitectos de futuros, amizades interesseiras e interessadas, ou sobre estas justas modernas que edificam uns e não outros. - Não os destróiem, atentem, que o desprezo é sempre muito mais eficaz, e certamente, muito mais doloroso para quem o sofre. A destruição até seria um oásis. - Não sei, porque não sei sequer o que esperar de mim próprio, quanto mais dos gostos de terceiros. Não sei, porque se não me deixam rir, acredito no dever de continuar a chorar, de ser piegas, queixinhas, o proverbial "calimério", de insistir, de reclamar. Acredito, mesmo que de nada me adiante. Ficar calado é que não. Ficar num canto obscuro a sorrir por tudo e por nada, reduz-me, não quero. E não quero ser optimista por fora quando por dentro a ebulição se entranha inexorável. Não, também não pode ser. Não quero ser um ratinho amestrado, ainda que nem me deixem ser alguma gloriosa fera indomável. Não posso!
É certo que tem sido um caminho curto mas cansativo, e não me apetece fazer conversa com essa gente. Não me apetece fazer conversa com ninguém, pronto! Empanquei, fiz birra, tenho esse direito também, sem recear a destruição absoluta. Sim, tenho muito orgulho, e pouca humildade, mas já nem é de orgulho ou de humildade que se fazem os verdadeiros escritores hoje em dia. E nem me perguntem do que será então, pois eu não o sei. - Talento? Desculpem-me, mas tenho sérias dúvidas sobre isso. Se fosse o caso, varrer-se-iam prateleiras e prateleiras de livrarias, de tanto lixo escrito glorificado, de tantas capas montadas sobre o valor (do dinheiro) e não do talento. A esses espaços vazios, poderiam depois chegar os verdadeiros escritores. Aqueles que os leitores querem, mas não conhecem, em detrimento daqueles que conhecem porque alguém lhos impingiu à força. "Estes é que são os bons!" -  Claro que posso estar enganado. Todos os dias me engano em alguma coisa fundamental. E todos os dias descubro novas queixas para fazer. Não sei. O queixume entrou em desuso e ninguém me disse? Já não somos portugueses, e nos podemos sentir achacados com o que nos dói? Não sei. Já não sei porra nenhuma. Sei duas coisas apenas: Estou descontente e escrever será sempre um enternecimento e uma impetuosidade, uma espécie de cartografia práctica sem um fim à vista. Esqueçam os outros, esqueçam-se igualmente, que não se escreve nem para dentro nem para fora, a boa escrita está noutro lugar, e mesmo que o descubram, esqueçam-no também, pois não conseguirão sair de lá sozinhos.
Porém, antes de partirem nesse caminho, mudem as ligaduras, abasteçam-se de todos os remédios possíveis, que as feridas vão ser incontáveis, e a morte súbita estará sempre convosco a cada passo. E sobretudo, desfaçam-se de tudo o que vos compõe: do orgulho, da inveja, dos medos, da solidão, da ansiedade, da tenacidade, enfim, de tudo o que vos faz verdadeiros seres humanos. Nada disso tem lugar nesta rota medonha, não esperem por bondades, nem dos amigos mais próximos, que essa não chegará.
Todavia, eu, ainda que, não sendo já escritor só porque escrevo, tenho absoluta confiança na capacidade da escrita como mapa para o meu mundo futuro. Sei que, algures numa página, a olhar para alguém, de baixo para cima, estará a resposta à questão com que me debato hoje, ali, em lágrimas choradas, posta em palavras. E isto já será um princípio de uma redenção.
Para já, é tudo sujo e triste. Inóspito e vendilhão. É tudo dos "outros", nunca me parece nada meu. E não é. Lembrar-me agora do que quis ser é um absurdo categórico, nunca quis ser mais nada que isto, e quem me conhece bem sabe-o. Só que, como nada sei sobre estas fórmulas, não chego lá em tempo de vida, e como escrever com orgulho não basta, e como ninguém me aparecerá em casa a oferecer-me o presente, resta-me aquele futuro que nunca irei conhecer.
E nem me digam nada sobre fatalismos ou sobre nuvens negras ou sobre abismos...já os ultrapassei a todos e avancei para onde estou agora. Ninguém consegue estar sozinho nestes dias, por muito que queira, e depois, quando se aperceberem disso, já será tarde demais, estarão verdadeiramente sós. Mas, não faz mal.
Ponham de lado a publicação caduca, esqueçam essa eternidade em vida. Antes mesmo de pensarem muito no assunto, virão a descobrir que sois apenas vós, e não os "outros". A relação entre quem escreve e o que fica escrito, é uma que, elimina todas as barreiras do tempo e do espaço e permite, efectivas conversas com os mortos. - Todos tem o mesmo direito ao céu! - Dir-me-ão tolo, mas credito nesta metáfora como acredito que o sol aparece todas as manhãs. Só uma mão cheia de vivos tem presente e futuro, o resto só poderá contar com a bondade da eternidade. Esta é a fórmula. Simplesmente, não há lugar para todos no gosto de quem constrói estes futuros, é assim mesmo. Logo, talvez me revelem um dia numa dessas conversas e esta verdade me possa por em descanso por agora e para sempre. Sempre é melhor do que nada.


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