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Poema 11


Entre dois sexos e um corpo de whisky, puro,
o ocasional esguicho e as ledas memórias,
desenganem-se todos, os que pensam em lágrimas sozinhas.
Ficar parado, invicto, já não resulta, garanto-vos, ficar duro,
nesse espaço onde todos os gemidos contam histórias
não traz proveito algum às vãs vertigens minhas.
Ninguém jamais chorou solitário, jamais!
Que nunca houve Um que não chorasse por Dois,
e chegada rápida, a dor do luminoso dia,
não se sentisse a mais. Sozinho, a mais.
Pouco mais que um espeto de agulhas por dentro, e depois,
nem me convençam de outra luz que não seja esta, negra, bela, absoluta
alternada aqui e ali, por pontinhos tímidos de alegria,
e ursos calmos de tanta acrobacia.
É que todos os dias nasce por aqui, um novo infeliz,
neste lugar maravilhoso,
de circo, perdição e  terna complacência de silêncio.
Pensar diferente disto é uma entrega à heresia. 
Seja por amor, bebedeira ou pura ilusão,
(e isto ninguém nos diz.)
Seja por brutalidade essencial ou mero aceno airoso,
ou quiçá aquela eterna intermitência do cio...
Cada gesto que olhamos como se fosse um novo dia
torna-se lágrima retalhada num olhar de desilusão
.

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