No outro dia, lavava a loiça e comecei a
agrupar em pares as coisas semelhantes, grato por haver ali espaço para o amor espontâneo
dos objectos. Mais tarde, no mesmo dia, apanhei-me a fazer o mesmo com a cor
das molas, ao emparelhar roupa de coração ao alto pelo delgado do estendal.
Vi almofadões malabaristas apaixonados,
porque lhes tremia o estofo transacionado nas minhas mãos. Contorciam-se pelo tecido
abaixo, acrescentando formigueiros às penas desvairadas, alinhavavam-se um ao outro. Por fim, lá relaxaram, num sorriso aveludado.
Houve até um par de candeeiros que se
acendeu em um instante menos ortodoxo, para a gravidade de porte da mesinha de cabeceira.
Gozaram intermitentes pela noite inteira, tão foliões quanto lanternas oferecidas.
Pela casa adentro, onde as janelas dão o presente e o que foi assentou perene no chão vago, os acasos despertavam as coisas inanimadas, posto que só juntos continuariam carreira pela vida fora.
Suspenderam-se os conflitos armados da
intimidade entre as lombadas dos livros e as capas dos discos de vinil. Ao mesmo tempo, rebentaram
acrobacias no resguardo do chuveiro, sabonetes e champôs a saltarem para os
colos dos parceiros. Assisti à dança dos panos da loiça, tangentes ao suporte dos condimentos, e bem no fundo da despensa, duas latas de feijão, um manteiga o outro preto, fumegavam.
Formavam-se beijos mais demorados entre a passadeira
no corredor e o velho tapete da entrada. Espantaram todas as espirais da minha sala, tão curta para piruetas. Havia ali disponibilidade para saídas não anunciadas. Este quadrado de metros, que nem gostava de metáforas interiorizava tudo e memorizava o tempo em circunferências misteriosas. Era só a vida fazendo planos sozinha para amores de repente.
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