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Contos de nós.


 
Para se ser completo, é preciso um certo tipo de silêncio primórdio, da capacidade optimizada de se filtrar todo o ruído em redor. Cada vez mais, na nossa sociedade sediada em redes, tudo se torna demasiado intrusivo; cada movimento e rumor são imediatamente "postados", "tweetados", "instagramados" ou "blogados", e o assassinato sistemático da contemplação que tanto desejamos, prossegue, num estranho tipo de distração letal, uma derrocada a caminho da procrastinação absoluta, que surge dissimulada no guia de um saber estar. Mas estar onde? Com quem? E porquê? - Se estivermos sós, seremos bichos? Perderemos o estatuto de ser pessoa? - É quase como se nos marcassem o cérebro em brasa, a ferro, como se fossemos gado, e nos dissessem: se não estiveres aqui nem existes. Acostuma-te a isso, ou morre para aí, sozinho. Obrigado. Que não existo já eu sei. "A existência não é objectiva, mas uma realização subjectiva do eu". Isto já dizia Kierkegaard, não é nenhuma novidade bombástica.
E nesta paisagem comum, de perfeito oblívio, o conhecimento não ajuda, mas sim vitimiza. Os novos heróis são filhos da ilusão, ainda que profundamente sedutora, é irreal à mesma, com a brilhante promessa de que a velocidade pode nos levar a mais iluminação, que é mais importante reagir do que pensar profundamente, que algo deve de ser ulteriormente anexado a cada pouco algoritmo de tempo que nos reste.  
É tramado isto! Enquanto aquilo que define a forma como cada um escolherá e agirá para dar sentido a uma vida que sente estar, dentro de uma finitude de si mesmo, o eco e o desejo insaciável pelo infinito; traços de uma dúplice realidade que habita em cada indivíduo, dispersam-se sem se completarem de todo. 
Eu não quero isto para mim. Porra! Ninguém deveria de o querer. Mas é esta a grande perniciosidade das redes. A tarefa de realizar a síntese dos seus contrários faz do homem um ser em devir por essência, mas nunca o explica. Torna-o num nômada eterno, agregado a um grupo de outros tantos nômadas que vagueiam iguais e incessantes pelo mesmo exacto espaço de sempre. Aqui, temos o meu problema de existência em poucas palavras, pois insisto em tomar a posição oposta. Acredito na imersão, no abrandamento. Tal qual um pedaço seco de pseudo-frango do McDonald's, também a pseudo-vida das tribos da rede é nociva para a saúde. Cada novo marco diário representa mais um coágulo espiritual não resolvido. E sem nos resolvermos, nunca nos sentiremos completos.

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