Foi num dia como o de hoje, fez agora trinta e quatro dias, e a contagem pareceu-me cheia de uma esperança enganadora, e decrescente, depois se veio a confirmar.
Afaguei, inimigo do amor próprio, o derradeiro maço de cigarros, puro, quente, directamente da mão sedutora do senhor do quiosque. Pequenos pauzinhos de prazer imediato, não doseados, como conviria. Nunca, convenientemente doseados. O senhor do quiosque tinha sempre mais, o que inibia o doseamente ajuizado. Cheios todos eles, cada qual tomado de um sopro, e que, como sempre, desciam rápidos, como um vento passageiro. O tremor nas mãos não me traía nenhum nervosismo. Tremia porque acabara de acordar e estava sem fumar havia horas. Ainda não tinha descoberto como haveria de fazer, para fumar a dormir.
Afaguei, inimigo do amor próprio, o derradeiro maço de cigarros, puro, quente, directamente da mão sedutora do senhor do quiosque. Pequenos pauzinhos de prazer imediato, não doseados, como conviria. Nunca, convenientemente doseados. O senhor do quiosque tinha sempre mais, o que inibia o doseamente ajuizado. Cheios todos eles, cada qual tomado de um sopro, e que, como sempre, desciam rápidos, como um vento passageiro. O tremor nas mãos não me traía nenhum nervosismo. Tremia porque acabara de acordar e estava sem fumar havia horas. Ainda não tinha descoberto como haveria de fazer, para fumar a dormir.
Acordado, fumava um mínimo de um maço por dia, só em casa
- Não é muito, diziam-me os cínicos, igualmente transtornados por este mesmo vício legalizado. - Eu fumo aos dois, e mais até. Tudo depende da disposição do dia. - Pois, o consumo na rua era mais difícil de calcular. Uma vez por semana, juntava-os todos num mesmo saco de plástico, e botava os cadáveres para fora, à espera do lixeiro. Os
vizinhos deviam achar que os moradores daquela casa fumavam muito. Se
soubessem que um único morador engolia aquilo tudo, não acreditariam.
Dali a pouco, uns quatro cigarros teriam de bastar até o fim do dia. Foi a fraqueza de juntar o hábito à escrita que me danou. Mas, e o dia
seguinte? E os 30 dias seguintes? Não tinha ideia, nem me preocupava.
Afinal, não era verdade que dizia sempre que "fumava porque gostava" e que "seria capaz de
parar quando quisesse"?
Os primeiros cinco dias foram um horror absoluto. O organismo reagia bravio ao corte
súbito do suprimento, com tremores pelo corpo inteiro, agitação, pensos de nicotina, insônia,
diarreia, muitas caixas de chicletes, taquicardia, acupuntura, suores, comida em excesso, possibilidade de delírio. Nos momentos mais lúcidos,
as vozes da razão soavam muito longe e o que diziam, era um
mistério. As visões das vozes que me congratulavam, não passavam de fantasmas sem rosto. Mas, aos
poucos, o horror passou e, em menos de duas semanas, foi sendo
substituído por uma sensação quase insuportável de lucidez, vigor físico
e vontade de viver. Como nunca antes. Até hoje.
É certo que a pressão dessa vontade inferior, suplantou em parte, a outra, a vontade mais que perfeita do corte total. Hoje, ainda fumo, dois, três, cinco cigarros por dia. - Por vezes mais, digo eu, depende da disposição, e da forma como corre o processo da escrita, mas, já me sinto um homem mais limpo. O senhor do quiosque estranha a minha prolongada ausência, e eu rio-me, feliz, feliz. Tão feliz!
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