Avançar para o conteúdo principal

O primeiro dia importa.

Suspeito que me acerquei de uma coisa importante; uma conspiração indizível que me transportou indolente até ao passado: são os filhos que nos educam. - Banal? Eu não sei bem. - Eles não se limitam a abrirem os limites da imaginação, como se conta, saqueiam-na sem cerimónias. 
Que ideia extraordinariamente maquiavélica essa de aguardar pelo momento em que nos entregamos languidamente aos momentos dos filhos, em vez dos nossos. Caídos de cabeça aberta, naquele fosso inocente de sonhos tão vivos, como se deliberadamente no deixássemos cair numa emboscada de onde saímos felizes,  mas vazios de tudo o que era intimamente nosso. Seria certamente o último e derradeiro instinto altruísta? Talvez. Eu limito-me a chamar-lhe de amor incondicional. - Que coisa tão bela, e tão rara ao mesmo tempo. - E o mais sinistro é que fechamos a própria alma, onde nos lemos sozinhos diariamente, e avançamos somente, glorificando estes pequenos ladrões, pela sua magnífica capacidade de saberem, sem grandes esforços, o que realmente nos alvoroça cá dentro. 
Não me parece nada justo numa primeira instância, todavia, em determinada altura deixo de pensar com a razão que normalmente me assiste, - se razão existe em tudo o que me compõe - e cedo, melhor, sucumbo sem atilhos ou arrufos aquele deslumbre arrebatador de olhos brilhantes e sorrisos incorruptos pela desdita deste maldito presente.
Não sei, de algum modo pensei em tudo isto no dia de hoje, neste dia de novas aberturas para eles. Novos amigos e novas perspectivas. Em boa verdade, o primeiro dia de escola do novo ano.
Foi uma espécie de epifania, confesso, estranha sobremaneira, porque prometi solenemente não falar de mim no presente, não dizer que hoje, porque é hoje, não sou ninguém que aqui esteja. Porque prometi dizer-me apenas de um passado onde estive, cheio de casos e de perguntas e de aventuras também. E de amigos, de amigos sobretudo. Sim, tudo isto a mim mesmo prometi, até encontrar-me com os sonhos dos meus filhos e apagar-me completamente numa delícia etérea que me perfez em alguém melhor do que sou realmente.
Bolas, afinal de contas, quantos momentos deste malfadado presente ainda são nossos inteiramente? E quantos rostos anónimos terão de se sacrificar à caminhada inglória, para que o futuro dos meus filhos se cumpra? - Melhor nem pensar nisto também.
Diz-me amanhã o que queres e eu até esqueço o meu futuro num ápice. Reconhecendo os teus desejos indómitos no regresso a casa, vejo-me incapaz de deitar a vontade ao vento duro deste presente. Quero assegurar-lhes os desígnios como se se tratasse da minha própria vida. E trata-se. Eles são o dia que venha quando vier, que acorde quando acordar. Eles são um eu melhor.
Recomponho-me aqui, penso um pouco e pergunto mudo àqueles rostos que cruzam o meu par de olhos, se já são felizes em parte, ou se é preciso mais?
Nem me respondem, porque nem sabem que os sorrisos mais fortes embaraçam todas as fraquezas dos que lhes perguntam, porque nem sabem sequer o intuito concreto da pergunta em si. E é melhor que assim seja. É esse o meu trabalho, conseguir-lhes um futuro que não seja desencontrado do meu passado, melhor simplificar, construir-lhes um futuro apenas. Assim é que é.
Neste primeiro dia de aulas, os meus filhos voltaram ansiosos para casa. É tudo quanto me interessa. O resto é silêncio e sonho, descobertas de vidas precoces que anseiam, Meu Deus eles ainda anseiam, e que pai seria eu se não me privasse de todos os tempos que me formam para que o tempo deles mereça a razão daqueles sorrisos? Que pai seria eu?

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...

Acerca de Anderson's...

Hollywood é um gigantesco cadinho demente de fumos e fogos fátuos. Ali se fundem todos os sonhos e pesadelos possíveis de se imaginar.  Senão, atentem, como mero exercício, neste trio de realizadores, que, por falta de melhor expressão que defina o interesse ou a natureza relevante deste post, decidi chamar-lhes apenas de os " Anderson's ". Cada um mais díspar que o outro, e contudo, todos " Anderson's ", e abundantemente prolíficos e criativos dentro dos seus géneros. Acho fascinante, daí querer escrever sobre eles e, no mais comum torpe da embriaguez, tentar encontrar alguma similitude entre eles, além do apelido; " Anderson ". Começarei por ordem prima de grandeza, na minha opinião, e é esta que para aqui interessa, não fosse este um blogue intrinsecamente pessoal onde explano tudo e mais qualquer coisa que me apeteça. Sendo assim, a ordem será do melhor para o pior destes " Anderson's ".  O melhor : Wes Anderson .  O do meio : Pau...

O discurso do Corvo.

Eis-me aqui, ainda integralmente vivo e teu, voo ao acaso, sem saber por quem voar, por sobre rostos de carne, palha e infinito. Trago as mãos feitas num espesso breu, toldadas pela sede de te possuir e de te dar, o ténue silêncio, que é tudo aquilo qu'eu permito. As palavras, quando são poucas, sabem melhor, dizem tudo melhor, se forem poupadas. Abre os braços então, e recebe-as em teu seio, a secura desta terra já consome o sangue do meu terror. Já falei, e agora vou voar num céu de pequenos nadas, disperso no bando obscuro, mesmo lá no meio. De modo que, apesar da lucidez dos meus instantes, continuo sempre algures, no longo espaço que nos envolve. Nada temas destas mãos de cinza que já não tem dedos por onde arder, Eis-me para sempre, nos interstícios perdidos e distantes, desta paixão que é dada, e que não se devolve, e que é minha e tua, porque assim tinha de ser! Casimiro Teixeira 2012