Avançar para o conteúdo principal

Um beijo no escuro




















Quando alguém como eu se apaixona,
as equipas do tempo fazem escalas
de propósito, pelo esquecimento,
e a tristeza enche-se de pequenos milagres.
Até o medo ganha coragem,
e nem a morte sai da sua cova.
A paixão espontânea é um prenúncio grátis,
uma janela aberta para a árvore da vida.
Um feito imenso,
um sentimento,
um frenesi de mãos e lábios e perdição,
uma proeza!

Quando alguém como eu se apaixona.
é uma bonança quase insuportável,
um exercício contra a má-sorte.
Vêm-se os corpos como eles são
ao contrário da vista que sempre os viu.
Abertos ambos na clausura do mesmo espaço,
existe uma distância de silêncios,
entre as tuas mãos e as minhas.
Uma fronteira de palavras por dizer,
entre os teus lábios e os meus.
E algo que brilha vez em quando,
entre os nossos olhos.

Quando alguém como eu se apaixona,
quer ser todos os homens que eu não fui,
e já não sou nem posso ser,
e isto por vezes nem é mudança,
mais não passa de mera inveja.
Mas não importa,
aquele tempo esqueceu-se de nós,
o tempo suficiente para sermos um,
fosse ele mais longo e seria para sempre.

É assim quando alguém como eu se apaixona.
um beijo roubado ao escuro.

Casimiro Teixeira




Comentários

Enviar um comentário

Este é o meu mundo, sinta-se desinibido para o comentar.

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci

António Ramos Rosa, in "O Grito Claro" (1958)

O Incidente de Plutão (Parte II)

Continuação... Xavier sonhara o corpo de uma loura por semanas, nos intervalos em que se convencia a si mesmo que a amava porque sim. Mas que desacato. Não tinha heroísmos em part-time para dar a ninguém e por isso se pusera a fazer teatro no fim do trabalho como forma de não se maçar a si mesmo. Era um salto à vara espantoso, se de tantos lados que procurou socorro, este lhe chegasse através desta mulher. Doroteia, vista pelos seus olhos era a mulher mais bonita da cidade, e ai de quem o  contradissesse. Não era que o dissesse a ninguém, de todos os modos só se queria deitar com ela e deixar-se adormecer ao seu lado como uma fera amansada. Era tudo matéria de sonhos. - E o que foi que tiveste de fazer pelo teu pai? - Arriscou a pergunta. Não foi pronta a sua resposta, apesar de se perceber na comissura dos seus lábios os indícios de um longo diálogo consigo mesma - precisamos de falar sem rodeios - ouviu depois o rapaz dizer. - Isto é, se queres que fique e te escute. Quer