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A casa da Baía do Tigres


(...) Era um lugar frágil e sentimental, de tangos e boleros que tocavam por dentro das paredes e se ouviam à noite só em sonhos. Quem lá morava enlouquecia lentamente até fazer parte dele. Era um lugar feito de muitas loucuras, que tossia e suspirava e arrepiava-se às vezes. Pareceu-nos o lugar certo para nós.
Ao acercar-nos, o céu tingira-se de púrpura com franjas alaranjadas, e o mar exsudava um odor a gardénias que nos inebriou os sentidos. Linda envergava um vestido leve, quase transparente, de cor lilás, e a sua beleza simples, parecia fundir-se com a do próprio entardecer. Mesmo antes de alçarmos a escadaria de madeira da entrada, já estava convencido. Seria ali que nós ficaríamos, para sempre.
Em frente, o Atlântico embalava sonhos com o seu restolhar lânguido e perfumado, a própria mansão alardeava um tom suave de beleza que serenava o espírito. Apesar do seu aspecto delapidado de catedral em ruínas, clamava por vida em cada nicho, cada divisão. A rodeá-la crescia um enxame de palmeiras esvoaçantes, protectores perenes contra o fustigar da areia. A ladear a entrada, um pequeno jardim florido com cactos e acácias rubras pareciam puxar a si o próprio brilho do sol. O travejamento das paredes tingido num amarelo ocre, entrecortado pelas inúmeras portadas azuis, também de madeira, rematava o quadro em coloridos berrantes. Não era um lugar propriamente, mas sim uma pintura impressionista. (...)

Excerto do meu último livro (por publicar)

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