Avançar para o conteúdo principal

Queríamos ser o céu.



Pelos fins de Junho, dei a saber ao Professor Múrcia a minha irrevogável decisão de mandar para o diabo a ciência das leis da vida, fosse ela qual fosse, e de me consagrar inteiramente à paixão dos romances: mas ele deferiu, com grande desgosto meu, ao pedido de ser meu professor de escrita criativa.
A música cristalina da sua voz, ressoava no regresso de cada lição, aos meus ouvidos como uma opereta; nos olhos, porém, assomavam lágrimas.
Não, não disse palavra ao Professor Múrcia sobre a minha descida aos infernos, nunca aludi sequer, a questão da trágica morte da Laura, foi somente pela minha total falta de entusiasmo, que ele começou a ter sérias dúvidas sobre a minha vocação para as letras. 
Todavia, insistia em pensar que a minha falta de êxito, detinha-se sobretudo na incapacidade de convivência, e na dificuldade de afazer o espírito às sensações e aos pensamentos daquelas supinas personagens que criava.
E ele acertava no que dizia, sem assomo de dúvida: - Todos os seus heróis e heroínas são infinitamente sorumbáticos, desesperados mesmo. Mude, ou então desista. 
Sem que eu percebesse a razão, ela ali estava. O imenso amor e o ódio imenso flamejavam nos olhos de toda a gente que eu criava. Não restavam sobreviventes nas minhas histórias. 
É verdade que as coisas, por via da regra, corriam muito mal para os amantes; sei com uma certeza indefectível que assim ocorria comigo por exemplo. A Laura faltava-me, e a estupidez insensata da sua morte, não encaixava direito naquilo que escrevia (...) 

Continua????

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...

Acerca de Anderson's...

Hollywood é um gigantesco cadinho demente de fumos e fogos fátuos. Ali se fundem todos os sonhos e pesadelos possíveis de se imaginar.  Senão, atentem, como mero exercício, neste trio de realizadores, que, por falta de melhor expressão que defina o interesse ou a natureza relevante deste post, decidi chamar-lhes apenas de os " Anderson's ". Cada um mais díspar que o outro, e contudo, todos " Anderson's ", e abundantemente prolíficos e criativos dentro dos seus géneros. Acho fascinante, daí querer escrever sobre eles e, no mais comum torpe da embriaguez, tentar encontrar alguma similitude entre eles, além do apelido; " Anderson ". Começarei por ordem prima de grandeza, na minha opinião, e é esta que para aqui interessa, não fosse este um blogue intrinsecamente pessoal onde explano tudo e mais qualquer coisa que me apeteça. Sendo assim, a ordem será do melhor para o pior destes " Anderson's ".  O melhor : Wes Anderson .  O do meio : Pau...

O discurso do Corvo.

Eis-me aqui, ainda integralmente vivo e teu, voo ao acaso, sem saber por quem voar, por sobre rostos de carne, palha e infinito. Trago as mãos feitas num espesso breu, toldadas pela sede de te possuir e de te dar, o ténue silêncio, que é tudo aquilo qu'eu permito. As palavras, quando são poucas, sabem melhor, dizem tudo melhor, se forem poupadas. Abre os braços então, e recebe-as em teu seio, a secura desta terra já consome o sangue do meu terror. Já falei, e agora vou voar num céu de pequenos nadas, disperso no bando obscuro, mesmo lá no meio. De modo que, apesar da lucidez dos meus instantes, continuo sempre algures, no longo espaço que nos envolve. Nada temas destas mãos de cinza que já não tem dedos por onde arder, Eis-me para sempre, nos interstícios perdidos e distantes, desta paixão que é dada, e que não se devolve, e que é minha e tua, porque assim tinha de ser! Casimiro Teixeira 2012