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Queríamos ser o céu.



Pelos fins de Junho, dei a saber ao Professor Múrcia a minha irrevogável decisão de mandar para o diabo a ciência das leis da vida, fosse ela qual fosse, e de me consagrar inteiramente à paixão dos romances: mas ele deferiu, com grande desgosto meu, ao pedido de ser meu professor de escrita criativa.
A música cristalina da sua voz, ressoava no regresso de cada lição, aos meus ouvidos como uma opereta; nos olhos, porém, assomavam lágrimas.
Não, não disse palavra ao Professor Múrcia sobre a minha descida aos infernos, nunca aludi sequer, a questão da trágica morte da Laura, foi somente pela minha total falta de entusiasmo, que ele começou a ter sérias dúvidas sobre a minha vocação para as letras. 
Todavia, insistia em pensar que a minha falta de êxito, detinha-se sobretudo na incapacidade de convivência, e na dificuldade de afazer o espírito às sensações e aos pensamentos daquelas supinas personagens que criava.
E ele acertava no que dizia, sem assomo de dúvida: - Todos os seus heróis e heroínas são infinitamente sorumbáticos, desesperados mesmo. Mude, ou então desista. 
Sem que eu percebesse a razão, ela ali estava. O imenso amor e o ódio imenso flamejavam nos olhos de toda a gente que eu criava. Não restavam sobreviventes nas minhas histórias. 
É verdade que as coisas, por via da regra, corriam muito mal para os amantes; sei com uma certeza indefectível que assim ocorria comigo por exemplo. A Laura faltava-me, e a estupidez insensata da sua morte, não encaixava direito naquilo que escrevia (...) 

Continua????

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