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Hollywood: Um filme sem história.


Deixei de ver filmes de Hollywood. Decisão consciente, e tomada em definitivo, sem hipótese de retrocesso. Existem excepções, eu sei, mas até essas as desconsidero.
O rácio de toda aquela artificialidade de vidas filmadas, cada vez mais me incomodava, e proporcionalmente me diminuía o interesse pelas histórias contadas. Via cinema e esquecia-me de seguir o enredo. Isto perturbava-me por demais, pois quando saía da sala de cinema, quando desligava o dvd ou a televisão, tomava consciência que havia só reparado na perfeição absurda dos dentes, na frieza insistente dos olhares, ficando desarmado pelo explosivo, inquieto até. 
Os gestos canónicos de sempre cativavam-me e no fim entre os que morriam e os que se apaixonavam não havia ali mais nada. Era uma perfeição improvável. 
Não podia ser! Revoltou-se-me a vontade.
"O cinema é verdade vinte e quatro vezes por segundo." Foi Jean-Luc Godard quem o disse, não eu, porém, estou certo de que mudaria radicalmente esta frase se visse um filme de Hollywood dos dias de hoje. Qualquer um.
Já perdi tempo demais a farejar interesse nas cores brilhantes e nos insuportáveis ruídos. Até cheguei a acreditar naqueles filmes que me inundavam de silêncios e cores monocromáticas, isto até lhes descobrir os mesmos registos defeituosos de antes. Os mesmos rostos e os mesmos gestos, suspeito até dos mesmos cheiros. É ridículo!
Não sou pretensioso, não senhor. Não sou um cinéfilo afectado, longe disso. Gosto de histórias, porra! E que mal é que isso tem?
Um filme é um pedaço de um sonho. A câmera é muito mais do que um aparelho de gravação, é um meio através do qual as mensagens nos chegam de um outro mundo que não é o nosso, conduzindo-nos ao coração de um grande segredo. Aqui a magia começa. 
Como o palco, ou a tela vazia, como a folha branca que sopesa de vontade de ser escrita, como um pedaço de barro ou de mármore, como tudo onde o espírito humano condensa o seu sonho feito arte, a película, que mente vinte e quatro vezes por segundo, também precisa de uma tónica emotiva que nos cative, eu chamo-lhe história. E vocês?

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