Que vontade indómita será esta de querer contar tudo? Bebi três copos seguidos e foi tão grande o prazer do líquido frio a descer pela garganta, que sorri também, e apeteceu-me contar histórias.
Não estou bem certo de quais histórias deverei contar. De início pensei que as histórias me queimavam a alma, e gritei de susto, um susto feito em letras. Rápido, no desenrolar da continuidade de ser construído. Tinha de ser mesmo, escapulia-me do presente vezes sem conta, fascinado pela luminosidade sépia do passado, que emanava daquele torpor constante que me ribombava o cérebro e eu tinha de o fazer, tinha de contar. Por vezes, sentia-me prestes a ser capturado por algum vigilante zeloso que vive para impedir que o passado assome à tona. Sabem do que eu estou a falar? Aquela matéria gelada e porosa que vive oculta nos escaninhos das nossas mentes. Senti-me quase prestes a ser capturado, e a memória permanecia apertada contra o meu peito, como neve. Libertei-me de tudo, por fim, e estas histórias desapareceram entre os meus dedos como fio de água, senti-me enganado.
Dias depois, uma amiga ofereceu-me uma esfera transparente, onde se agitavam uma vila e os seus pequenos habitantes, sobre a inclemência de um nevão rigoroso, que só surgia quando lhe mexia com vigor, e, com aquele pequeno globo nas mãos, pensei que, eu tinha o meu próprio inverno, era meu e só meu, e já não o consegui mais largar, e então, as histórias vieram novamente, sorrateiras surgiram, da parte de trás da minha lembrança. E este relicário de memórias, foi e sempre será, o meu próprio inverno, onde encontro o passado, gelado, quase hirto, pronto a ser recuperado pelos meus dedos, com a sua carga de nostalgias. Toda a minha exuberante geografia imaginada surge clara, depois que este vento dissipe o nevão tremendo que a enevoa.
Depois disso, nada mais me cativou a atenção, excepto aquelas bandejas de neve que ali saltavam, livres e perenes, como tinha ouvido dizer que assim faziam noutras paragens de frio. Segurei este tesouro nas minhas mãos e comecei a lembrar-me, e a história surgiu, por fim.
Sorri...
ResponderEliminarPois, como nasce uma história?
Iniciando-as,tão só, depois as palavras ganham a sua própria vida e nela somos arrastados...
Bjo :)