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Reflexões sobre o Acordo Ortográfico

Este texto que aqui lêem, não está (ainda) formatado segundo as novas regras do Acordo Ortográfico que entrou em vigor em Janeiro de 2009. E não está, porque não estou para isso, afinal de contas, o acordo propriamente dito, navega por enquanto, num limbo de pré-aprovação, ou de adaptação generalizada, e este período latente de transição, irá continuar, até se intitucionalizar em 2015. Aí então, já será a matar. Ora, se posso utilizar a mesma grafia que utilizei sempre, mal ou bem, mais pontapé menos pontapé, porque haveria de a mudar agora?
O assunto já não é novidade nenhuma, já tem barbas por assim dizer, mas, aqui neste mundo de onde vos escrevo, ainda estamos em Portugal, e as opiniões exprimem-se quando a cabeça as magica, e apesar de todas as infracções que poderei vir a incorrer, eu adopto o sistema antigo, porque esse, é que é o nosso.



Segundo Nostradamus, o grande profeta, o mundo vai acabar em 2012 afinal, de modo que vou deixar para instalar o corrector ortográfico para depoi
s, a ver no que dá. Dá muita canseira estar agora a mudar tudo outra vez (esta já é a terceira em pouco mais de 70 anos - 1943, 1971 e 2009), e porquê? Pelos interesses dos Brasileiros? Eu opto pelo Não! Mas, o que eu acho tornou-se irrelevante, porque já é um dado adquirido. O acordo vingou, foi aprovado, já muita gente anda a ganhar dinheiro e a escrever livros sobre o assunto, entrou em vigor, ainda que não totalmente institucionalizado, e já este ano, as pobres criancinhas aprendem tudo na escola ortograficamente corrigido.
Os defensores da mudança dizem que não custa nada, que é um pouco como o Tarzan Taborda a malhar nos seus adversários, parece que dói, mas é tudo a fingir. E o acordo também. A eliminação das consoantes mudas ou não articuladas, "c" e "p", passa a homogeneizar as línguas portuguesa e brasileira numa só. O que é estranho, pois sempre tinha tido a noção, de que eram uma e a mesma. As diferenças ortográficas e fonéticas das duas variações da língua de Camões, seria assim tão carente de mudança, que obrigasse a toda esta discussão? E de mais a mais, porquê que a mudança não se operou no sentido inverso. A génese da língua é a nossa, não a deles. Nunca me apercebi
que os Britânicos tivessem ajustado a sua ortografia para comportar as diferenças da forma inglesa de escrever dos Americanos ou dos Neo-Zelandeses. Mas aqui na Parvalheira, é como dizem os Xutos & Pontapés, o "Mundo gira ao contrário". O Governo, na altura em que esta questão foi debatida na assembleia, em 2008, optou por avançar tendo apenas escutado dois letrados que se dirigiram ao parlamento munidos das respectivas armas para defenderem as suas posições. E de facto, doa a quem doer, sinto-me inclinado para a argumentação de Vasco Graça Moura, o defensor do não. o Governo "não consultou nenhuma Universidade, nem o Conselho de Reitores, nem a Associação Portuguesa de Escritores, nem a Sociedade de Língua Portuguesa" , como verdadeira democracia que esta é, toca a apertar a mão ao Lula da Silva ao à Sra. Dilma neste momento concreto, e agora passamos a escrever como se tivéssemos sopinhas de massa nos dedos.
Vamos também poder usar com total liberdade as consoantes renegadas, o "k",o "w" e o "y", que poderão agora ser pronunciadas e escritas de boca cheia e mão fechada. Capa ou , dáblio ou duplo , e ipsilon ou i grego. Mas, eu digo-vos fieis leitores, vejo-me grego para entender isto. Então estas três consoantes tinham desaparecido? Terão ido de licença sabática para algum lado? Ou teriam sido exiladas em Espanha, na espera ansiosa da validação deste acordo? Antes de Dezembro de 2008, have alguém que chamado Wagner ou Walter, qu
e escrever o seu nome com a letra "V", ou quem sabe, alguém que quisesse trocar euros por kwanzas  de os descrever no impresso escrevendo o nome da moeda angolana com um "C" ou com "Q"??
Mas não ficamos por aqui. Agora já não posso escrever nem, o dia da semana, ou mês do ano ou ponto cardeal com maiúsculas, mais uma genialidade que escapa à estreiteza da minha compreensão. Mas mantêm-se a maiúscula inicial nas abreviaturas e designação de regiões: N,E, Vive e trabalha no Sul, bem como nos termos fulano, beltrano, sicrano. Juro que gostava de saber quem teria sido o fulano que se lembrou disto.
Mas o pior de tudo foi o que fizeram com o hífen. Desaparece de vez em palavras cujo prefixo termina em vogal e o elemento seguinte começa por "r" ou "s". Exemplos: antireligioso, minissaia, semisselvagem, ultrassónico. Quase a minha definição por completo. Também se fina o dito cujo, nas ligações da preposição de com formas monossilábicas do presente do indicativo do verbo haver. Como estas: hei de,hás de, há de, heis de ou hão de. Parece que finalmente conseguiram arranjar forma de complicar a pronunciação correcta destas preposições, que por si só já eram calinadas na maior parte das vezes. O mais curioso é que o hífen agora surge noutras palavras que anteriormente não o continham. Confuso? Não! Se os Brasileiros o fazem, seremos nós menos inteligentes do que eles?
As palavras cujo prefixo termina em vogal e o elemento seguinte começa pela mesma vogal, agora já leva o risquinho a dividi-las. Anti-Ibérico, contra-almirante, micro-ondas, semi-interno só é pena que Anti-acordo ortográfico já não possa levar com ele, mas eu prefiro assim. Ah, e se escreverem palavras que designam espécies das áreas botânica e zoológica, têm de lhe colocar o tracinho a intercala-las. Legumes e outras verduras como abóbora-menina, couve-flor e ervilha-de-cheiro, e bicharada como cobra-capelo e formiga-branca, tudo bem hifenizado.
Ainda assim, e apesar do imenso transtorno que irá causar a muita gente, é com coisas desta natureza que o nosso governo se preocupa. Em vez de se reformar o ensino, reforma-se a ortografia, é mais fácil, e afinal não dói assim tanto. E nem por isso eles se entendem nestas andanças. Qualquer dia aprendemos a falar brasileiro para percebermos melhor as novelas e os empregados dos rodízios.
Esta é mais uma sopa de letras azeda que nos vimos metidos por causa de questões que dizem mais respeito à política do que à ortografia. É, como sempre um vale tudo, contra a vontade da maioria da população, que eu pessoalmente nunca hei-de deixar passar em branco.
Já vão os tempos das províncias ultramarinas e do império, somos nós os colonizados agora, inclusive na nossa própria língua, pois que ao ser-nos sonegada, perderemos mais um elo da nossa identidade própria. Mais um portão arrombado pelos conquistadores do outro lado da fronteira, que aguardam pacientemente pela queda final em desgraça da nossa querida Pátria.
Em jeito puramente confessional, decidi escrever este texto, pois admito ter sucumbido à incerteza de querer ter sido um rapazinho direitinho tendo publicado o meu livro "Governo Sombra" sob a má auspicie deste malfadado acordo (quiçá seja por isso que ele não se vende), porém, aqui me retrato e definitivamente dou o dito por não dito, ou quem sabe o escrito por mal escrito. Vistas bem as coisas, se o Valter Hugo Mãe pode alternar entre as minúsculas e as maiúsculas a seu bel prazer, também eu posso avaliar bem as coisas depois de bem repensadas e voltar atrás. Ele que me perdoe a comparação, mas, o certo é que, com este acordo, estou absolutamente em desacordo.

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