Onde começa o paladar e termina o olfato? – Pouco
sei sobre isso, e tu, sensaborão que és, muito menos, tenho a certeza. - A tentação do café não
nasce no sabor, que deixa somente um rescaldo de fumo na lembrança, mas no
aroma, que é preciso, rápido, poderoso e grava-se na memória com uma
persistência tenaz. – Obrigado por me tirares isso! Por ajustares o arremesso da tua fúria ao ponto sensorial que mais feliz me fazia. Por me roubares da vida os
seus perfumes, graças a ti deixei de saber o cheiro da vida. Obrigado por essa oferta de violência.
A comida, tal como o ódio, entra primeiro pelo
olhar, estou certa que serás capaz de meter qualquer coisa nessa boca imunda,
desde que a princípio isso te presenteie os olhos.
Fiz recurso à memória para me lembrar disto, no
tempo em que ainda colhia o prazer da comida pelo cheiro que botava, e soube
que essas recordações não me falhariam no meu intuito de te ensinar a lição que
mereces.
Satisfeita por me ter preparado até este ponto,
dei dois toques de hortelã no preparado, para exacerbar o ódio. Cheio de
desprezo por ti mesmo, ainda que nunca o reconhecesses, suplicaste-me que te desse uma dose fatal de sabor, para
assim pagares todos os teus crimes contra mim. O último desejo de um condenado, suponho, deve de ser irrecusável. Assim fiz! - Ao bicho em si, que
viria a ser a estrela deste banquete, macerei-o em vinho por horas tantas que
lhe perdi a conta. - Não haverás de tomar como verdadeiro o que te espera de
misterioso sabor, isso te asseguro.
Ao odre de vinho que depois ficaste, adicionei um
breviário infinito de órgãos e miudezas: os rins marinados em madeira, os miolos em
manteiga, a língua com nozes, as tripas com tomate, o focinho, as patas e
sobretudo, especialmente: os órgãos genitais; pois sei-te glutão no mau partido que deles tiras. Todos servidos no descanso de uma cama de ervas, para que te acoitassem as suspeitas.
– Pressenti-te o deleite, e tu assim mo confirmas-te. Observei indiferente ao teus urros de prazer e nem deste conta da contenção que fazia ante o asco da visão dos sucos da gula que te escorriam céleres por esse teu queixo
de papada de porco, nessa tua loucura frenética e arrogante que tanto me desfeita.
Ah, mas o melhor estava por vir! – Desafortunado
animal que iria ter o seu fim nesse teu ventre abominável de homem maldoso, mas o desfecho assim o exigia.
Finalmente chegara a hora. Aproximei-me com
curiosidade do lume onde a tua perdição assava tristemente em lume brando, e só pude
esconjurar uma última maldição contra ti por me teres furtado o enlevo de o
sentir evolar-se, mortífero.
Da carne rubra, resfolegante, subia uma coluna de vapor que se elevava
até ao céu como um pilar sagrado, um flagrante sarcasmo de ervas finas,
beringela, tomate, gengibre, cardamomo e sucos menstruais, os meus! –
Fulminantes se ingeridos sem regra e sem o conhecimento bem disfarçado do seu sabor almiscarado.
Morre!
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