Sou um homem doente, sou mau. Nada
tenho de simpático. Julgo estar doente do estômago, embora não o perceba nem
saiba ao certo onde reside o meu mal.
O sofrimento é a causa única da
consciência humana; aprendi esta lição faz muitos anos, quando ainda me
despontavam erupções de gordura na cara, e atónito, ouvia esta frase da boca do
meu professor de história do décimo ano. Foi então que percebi que sou mau,
pois nada que fosse humano, me fazia sofrer.
- Professor, então eu sou mau! –
Respondi-lhe. Não o estava a questionar perante o que me dizia, afirmava-o com
determinação, orgulhoso.
Ele alçou-me os olhos sob a película
espessa das sobrancelhas de uma alvura óssea, que lhe cobriam o olhar como
prepúcios desgrenhados e disparou a contra resposta:
- Quando quiseres saber algo sobre a
maldade humana, vem ter comigo, que eu explico-te.
Um rodopio de vozes açaimadas pelo medo
ecoou pela sala de aula, mas bastou um gesto dele para que estas se sumissem
num nada. No vácuo do silêncio parecia que só existíamos os dois, trancados num
fito de impasse que não desarmava.
- Deixe estar professor, - disse-lhe
eu, interrompendo o duelo. – Descubro sozinho.
Eu sou mau, sempre o soube, doente
agora, mas de maldade estou certo, porém, aquele professor assustava-me. Aos
outros era a sua rudeza de modos, as suas explosões de raiva que lhes causava
temor, a mim não. Havia qualquer coisa de sinistro naquele olhar, quiçá uma
maldade mais profunda até que a minha.
Toda esta bílis acumulada achaca-me o
estômago agora, de uma dor que adivinho vir a ser letal, já não a suporto
apenas por birra de teimosia, preciso de auxílio. Encontrei-o num consultório médico.
A espessura selvagem do sobrolho
galgara-lhe o nariz e cobria-lhe agora quase a boca inteira, com o mesmo manto
de pelos brancos, a acompanha-lo vieram os sulcos das rugas que corriam
desenfreadas por aquele rosto soturno, mas os olhos, esses nunca mudam, era
ele, ali sentado na sala de espera.
Cada má fibra do meu corpo, impelia-me
na sua direção. Quis ir lá mostrar-lhe os maus fígados que me compunham,
esfregar-lhos na cara, repor a verdade. Eu sou mau! – Dir-lhe-ia. - Vê como eu tinha razão? Sou mau!
De repente o seu rosto virou-se a mim,
mirando-me com desinteresse, quase morto de apatia. Aqueles mesmo olhos que antes espelhavam as chamas do inferno, e nos mantinham acoitados em respeito profundo, por medo, por medo apenas. Esse mesmo olhar, perdia-se agora num labirinto de dor, e desfalecia no simples contacto com o meu. Então percebi. A maldade é
fraca, esfuma-se sem sentido perante a perspetiva do sofrimento, e a
consciência humana ressurge sempre, temerosa do seu fim.
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