Fez mórbidos preparativos naquela manhã, para o desfecho há muitos anos congeminado na sua mente de homem perdido.
O caminho de pedregulhos polidos levava-o a um nicho recatado, mais
além da língua de areia da rampa dos Socorros-a-Náufragos, pelo paredão
comido por anos e anos de rebentação sistemática, de ondas gigantes de
inverno, aí, num cantinho de pescador, Benito, deixou de olhar para
trás. Nesse ponto no espaço, o tempo parou. Como se uma parede invisível
se erguesse em seu redor, insonorizando o mundo que o circundava,
resguardando-o do Universo à volta.
Era o ponto sem regresso, após a barreira do som e da luz. Aqui,
encontrou a paz que tanto procurou ao longo da sua vida inteira,
escondida atrás de uma grande rocha pontiaguda, entre a Capela de N.
Sra. Da Luz e o Farol, emparelhada por outras duas rochas, bojudas,
calcinadas por bexigas de pedra, salientes em adoração à inclemência do
deus Mar.
O fulcro de uma existência esvanecida aguardava-o paciente, no
pequeno entalhe de rocha, esverdeada por gerações de algas ressequidas
ao Sol.
Os fantasmas de todas as pessoas importantes da sua vida esvoaçavam
livres pelo céu de intenso negrume, bailando à solta pela neblina da
noite, como o cruzeiro do Sul, confundindo o torpor da sua memória com a
confusa névoa miúda que molhava como chuva.
Nesse vórtice húmido, absorto nessas memórias, estava Benito,
agachado como um recém-nascido com frio, com medo. Mas ele merecia esta
sorte, merecia-a mais do que os trezentos mexicanos inocentes que tinham
morrido naquele desastre que vira anteontem nas notícias. Afinal de contas, o que pode esperar da vida,
um homem, que abandona o lar, a mulher, dois filhos, um pai viúvo,
irmãos e amigos, e que se despede unicamente do Carro?
A sua sombra molhada lembrava-lhe um triste corvo agoirento, que estampava a rocha onde assentava, com a sua imagem lamuriosa.
Perdera toda a esperança finalmente. Conforme sempre esperara, batera
no fundo, e de todos os espectros que uivavam à sua volta, só um lhe
lançou um olhar de carinho, aquele que mais amor lhe dedicou, e que mais
falta lhe fez, o rosto de bonomia de sua Mãe, que por si só, parecia
acalmar a fúria das próprias ondas do mar, que já por demais o ameaçavam
engolir, de uma só vez.
Era chegada a hora, conquistou o medo, e agora, pecados perdoados,
erros corrigidos, problemas resolvidos, agora, sim, estava em Paz!
Obrigada pela sua visita ao meu cantinho, Casimiro.
ResponderEliminarPois aqui, vale a pena perder (eu diria ganhar)um tempinho a ler estes bonitos contos. Fiquei seguidora!
Bom fim-de-semana!
Obrigado eu Clapotis, pela visita, e por essas palavras carinhosas. Volte sempre.
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