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A omelete perfeita é a farsa do mito de Sísifo.


Tantos, tantos ovos derramados na escalada. Tanto queijo e fiambre atirados aos dentes ávidos da má execução. Insisto nesta coisa da perfeição e é como uma fuga inconsciente à realidade. Não há perfeição em lado algum. Há tentativas e erros. Malogros e quase-sucessos. Há todo o peso da existência anterior a empurrar-nos para um lugar onde julgamos não querer estar, mas que, se calhar, é onde devemos de estar. Parece tudo desconexo? Sim, parece. Nenhum ovo é perfeito, e jamais um ovo imperfeito fará a perfeita omelete. Isso baralha-me todo. Repetição infinita? Onde caralho estou nesta metáfora imperfeita? 
Quem sou? - Repito. - Quem sou? - Repito...
Não! Não quem sou. Existir exige algum sentido de revolta, não é?
Como sou? Como sou? Como...de novo o desespero da repetição: Fiambre, ovo, omelete, queijo, conjunto ou singular? Formado ou a caminho? Que espécie de homem serei afinal? Sufoco amiúde e entro de joelhos na desesperança de nunca obter respostas no dilúvio de perguntas desta frigideira Universal. Estarei assim tão frito? Estou. NÃO!

- Quem sabe? -

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