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Confundir os sentidos

O grosso destas nossas vidas são canções. 
Pensem bem; onde melhor se ajustam aqueles momentos mais perfeitos ou terríveis?
Na música.
Admito aqui e ali algum poema, algum trecho sublime 'daquele' livro que me engendrou formas de me sentir justificado por existir, admito-o, sim, porém, foram sempre as canções da altura que me avançaram, detiveram, que me significaram. 
Provavelmente vivi, ou vivo confuso com tanta coisa (não vivemos todos?), certamente que opto por uma postura que não é social, não é 'amiga' de ninguém. Escolhi a caverna em vez do prado. O buraco em vez do céu. A prisão liberta, em vez da liberdade agrilhoada.
Se houve instantes de abertura, esses revestiram-se sempre de sons. Onde melhor me encaixaria, nisso, nessas músicas. Como se houvessem outros que me sentissem igual e que, só por isso, me fizessem parte. Me entregassem a justificação necessária para poder fazer parte. Para mim, foi sempre como se ouvir determinada música me dissesse que era exacto. Que este caminho não era absurdo, mas idêntico ao de outros. 
E precisámos de outros? Claro que sim. Por tempo demasiado assumi a minha solidão como força, e paguei por isso. Esta é a minha maior fraqueza, nem sei porque vos a admito, mas é-a. O grosso das nossas vidas são as canções, de pessoas...sobre pessoas, sobre histórias de pessoas, repito: de pessoas! 

Não sei tocar uma nota que seja onde for, no que for, mas sei que a música é a razão de ainda estar vivo.

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