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Textos Devolvidos IX


(...) Fica então marcado o encontro naquele lugar só nosso,

onde beberemos perdidos a espuma do mar e devoraremos as nuvens armados em bocas de ventos fortes.

Ali habitaríamos sempre um constante estado de alvoroço, e o mundo fugia-nos dos sentidos, sempre tão rápido a escapar sob a sombra imperfeita da areia inútil das nossas má sortes.

Agora, livrou-se o tempo completamente dessa memória, como uma pele de cobra, soltou-se de nós, tal como previste ou quase...já não sei nem posso,

saber que ficou ainda por ser escrita, a memória rigorosa desses dias.

Os anos mal têm força para abafarem um vislumbre desse paraíso. Eu tentei.

Ainda assim colapsou, contra a vontade que insistias.

Tornou-se só ímpeto o relato desta mesma história. Abriram-se pelas ruas todos os passos, e todas as bocas sem pudor, falaram de nós,

dos nossos beijos, corpos, dos nossos sexos expostos nos abraços, de toda a poesia que disseste pelo embaraço da minha voz.

E eu só ouvia o vento a dizer-me que falhei!


2002

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