O meu desalento não cabe num só poema
nem nas farpas ferrugentas do esquecimento
que todos os dias me ferem os pulsos.
Lentamente,
deixei fugir palavras entre o sangue dos meus dias,
e deixei a boca rasgar-se também,
cortada em dois pelo medo puro do fracasso,
cerzida na carne pelo fio aguçado do mau momento.
E também deixei fugir o gosto do prazer e do assombro,
e do desejo por infinito.
Não me venham pois falar,
de profetas, de heróis ou de sábios,
ou dos vendilhões que me agoniam em cada palavra escrita
não me queiram roubar o fogo às palavras,
que é meu, tão meu, só meu,
e não está à venda.
Certamente,
que deixei fugir palavras soltas pelas vielas da noite
encontradas depois no brilho lúcido das manhãs,
e já nada mais me aterroriza,
o medo saiu inteiro deste corpo,
e criou raízes na distância, onde o desdenho.
Não, caros senhores
nem se atrevam a pedirem-me que lute mais,
em silêncio.
Senhores eternos das verdade absolutas,
A poesia não morreu!
e de memória em memória
De bocas abertas e braços estendidos
ela atravessa as palavras
com o arpão certeiro da revolta.
in: "QUE ALGUÉM SAIBA QUE ÉS UM HOMEM" (Corpos Ed.-Fã Clube, 2013)
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