Recordar torna o mundo mais exacto
com réguas de fumo,
ângulos perfeitos de olhos nos astros
-- e a inocência daquele céu pardo
das manhãs inconcretas
que todos se lembram de ser azul
e não verde para lhe chamarmos oceano
ou folha de árvore.
A realidade é mais confusão,
máquina-doida-de-repetir sombras inconcluídas,
bocas dependuradas nos ramos e nas corolas,
destinos de morder o vento,
narinas nas flores,
conluio de pássaros com o sol,
as plantas enganaram-se e deram rosas em vez de incêndios,
construção da Cidade da Morte com pele e cal,
ervas pisadas por espectros
-- e este cheiro tão bom a sonho
que torna o mundo mais efémero e real.
As aves nos fios telefónicos alimentam-se de palavras.
José Gomes Ferreira
Poesia .IV
Portugália Editora 1970
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