A moça era indiferente à diferença, tinha medo dos objectos cortantes que por vezes os outros trazem nos olhos, e por igual receava os problemas existenciais e o peso de não dormir jamais. Tinha também a estranha capacidade de armazenar palavras na garganta e quando mais não as suportava, saiam-lhe chocalhadas em um frémito. Ficava o chão azul todo borrado de letras de faz de conta. Centenas de quilómetros de espaço e tempo em circunferências no chão, cheias de palavras sentimentais.
A moça assustava-se muito com as diferenças, menos com as palavras-cruzadas e com as sopas de letras, e enquanto falava ecoava sons, invertia pronomes e golpeava o ar com movimentos bruscos. Era já a indiferença a tomar-lhe conta do entusiasmo. As crostas das palavras que ficavam, limpava-as às costas da cadeira, com os sons ainda agarrados ao coração.
A moça tinha também uma expressão inteligente e ausente, que fotografava a preto-e-branco quando lhe apetecia ser mulher. Memorizava coisas do futuro, muitas coisas em linha recta e não gostava de metáforas, apenas de bocas amplas, onde a saliva, à custa de ser tanta, dissolvia parte do sentido.
Assim, sem querer, sem causa e sem intenção, a moça ficou presa dentro de um moço, que era diferente a tanta indiferença, ficou ali, como um corpo abismado que sustém o ar, muito calado para sempre para não mais a perturbar.
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