Avançar para o conteúdo principal

Todos os céus merecem um cão (um gato, uma tartaruga, ou mesmo um periquito...)







Não me tenho em conta de ser um tipo muito piegas, porém, certas coisas que se ouvem, não se podem mais desouvir, seguem-nos como cães obedientes até sítios por descobrir, cá dentro, enroscam-se, fazem ninho e ficam. 
Um destes dias, no consultório veterinário, uma criança e a sua mãe visitavam uma cadela de 19 anos, recém-operada. Enquanto fazia festas à gata, esperando a nossa vez, abstraí-me dos guinchos estridentes vindos da TV e absorvi aquilo tudo, como se fosse comigo.
A mãe explicava à menina que se a cadela fosse uma pessoa, já teria mais de 100 anos, e, como já não aguentava mais o peso da idade, como já não havia chance de melhoras, o melhor era mesmo que fosse para o céu, porque o céu também precisa de cães.
A reacção da miúda foi o que me desarmou sem remédio: abraçou-se à mãe e acenou que sim com aquela cabecinha inconsolável. Não chorou, não respondeu, não fez birra alguma. Disse que sim!
Porra! Não consegui deixar de pensar na possibilidade daquela menina ter enfrentado, muito recentemente, a fatalidade inevitável de uma morte, que se prolongou por algum tempo, no curto tempo da sua vida de criança. O pai, um avô, o padrinho querido, uma tia especial, não sei. Não consegui descobrir no seu olhar, qualquer espécie de trágica surpresa quando a mãe lhe disse aquilo.
E antes que me transformasse ali mesmo, na sala de espera de um veterinário, num instagram do "menino da lágrima", tirei a gata (que é mansa como o raio que a parta) da transportadora, e aproximei-a da menina, para que se juntasse a mim fazendo-lhe festinhas atrás das orelhas.
Sim, eu sei, ser mau feitio dá uma trabalheira infinita, e exige disciplina e concentração. Ser lamechas não, apanha-nos de surpresa.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...

Acerca de Anderson's...

Hollywood é um gigantesco cadinho demente de fumos e fogos fátuos. Ali se fundem todos os sonhos e pesadelos possíveis de se imaginar.  Senão, atentem, como mero exercício, neste trio de realizadores, que, por falta de melhor expressão que defina o interesse ou a natureza relevante deste post, decidi chamar-lhes apenas de os " Anderson's ". Cada um mais díspar que o outro, e contudo, todos " Anderson's ", e abundantemente prolíficos e criativos dentro dos seus géneros. Acho fascinante, daí querer escrever sobre eles e, no mais comum torpe da embriaguez, tentar encontrar alguma similitude entre eles, além do apelido; " Anderson ". Começarei por ordem prima de grandeza, na minha opinião, e é esta que para aqui interessa, não fosse este um blogue intrinsecamente pessoal onde explano tudo e mais qualquer coisa que me apeteça. Sendo assim, a ordem será do melhor para o pior destes " Anderson's ".  O melhor : Wes Anderson .  O do meio : Pau...

O discurso do Corvo.

Eis-me aqui, ainda integralmente vivo e teu, voo ao acaso, sem saber por quem voar, por sobre rostos de carne, palha e infinito. Trago as mãos feitas num espesso breu, toldadas pela sede de te possuir e de te dar, o ténue silêncio, que é tudo aquilo qu'eu permito. As palavras, quando são poucas, sabem melhor, dizem tudo melhor, se forem poupadas. Abre os braços então, e recebe-as em teu seio, a secura desta terra já consome o sangue do meu terror. Já falei, e agora vou voar num céu de pequenos nadas, disperso no bando obscuro, mesmo lá no meio. De modo que, apesar da lucidez dos meus instantes, continuo sempre algures, no longo espaço que nos envolve. Nada temas destas mãos de cinza que já não tem dedos por onde arder, Eis-me para sempre, nos interstícios perdidos e distantes, desta paixão que é dada, e que não se devolve, e que é minha e tua, porque assim tinha de ser! Casimiro Teixeira 2012