Avançar para o conteúdo principal

Al Cristo

Al Cristo era suposto ter sido gémeo, mas, absorveu uma parte inútil da irmã, estando a existência desta pendente na barriga de aluguer que os desenvolvia a ambos, até ser quase totalmente digerida. Assim, Al nasceu com dois apêndices, cresceram-lhe dois pares de amigdalas e uma cauda vestigial, que escondia bem apertada, com um pano, sempre que não lhe apetecia brincar.
No estranho bando onde vivia, não era difícil distingui-lo dos outros, não fossem as suas origens que lhe puseram a pele escura e os modos violentos, não só historicamente mas na biologia também. A sua cor concedia-lhe uma espécie de bússola interna, que, posta perante qualquer questão que fosse, lhe reorientava a identidade sempre para o mesmo lado.
No ano em que morreu o Chet Baker, Al ainda tinha cara suficiente para um caixão aberto, graças à geografia que herdou, e que é a mais religiosa das ciências, sendo isto mais do que mereceria ter mais tarde, sem imaginar nunca a tremenda estupidez de vir a ser expulso daquele grupo por causa de uma merda assim. (...)

Excerto de novo romance: "A Ausência dos Pássaros"


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...

...Poderia ser maior! Poderia ser um escritor, em vez deste blogue vagabundo que... foda-se!

  "On The Waterfront" 1954 - Elia Kazan

O Artista que faz falta Conhecer

Um dia desenhei um rectângulo largo em uma folha de papel-cavalinho, não foi salto nenhum, pois em anos antigos, já me tinha lançado a fazer rabiscos aqui e ali. Em pastel sobretudo, e uma vez cheguei ao acrílico, mas aquilo eram vãs tentativas sem finesse alguma. As artes plásticas são um mistério ainda, e uma das minhas grandes decepções como ser humano criador. Essa e a música. Creio até que terei começado a escrever por me faltar jeito para o desenho e para os instrumentos de sopro. Assim que voltemos ao meu rectângulo. Esquissei-o de vários ângulos e adicionei-lhes cornijas e janelas. Alguns sombreados. Linhas rectas e perspectiva autónoma, cor e até algum peso acumulado. Longe do real mas muito aproximado deste. Quando dei por mim tinha o Mosteiro (Stª. Clara) desenhado, em traços grosseiros e pôs-me feliz ter chegado ali, até me dar conta que cometera plágio. O meu subconsciente foi buscar o trabalho do Filipe Laranjeira ao banco da memória, e sem me pedir licença, copiou...