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A última tarde em que vivi.



 
















Vivo a voracidade de pequenos achados,
deste jogo invisível de sonhos tão vívidos.
E o único desejo a que não renuncio?
Somente o de estar vivo,
no outono,
e sofrer a perseguição incessante da primavera.
Ah,
Vivo neste tempo,
que o passado não tem mãos firmes que me agarrem.
Sei de qualquer coisa que me nasceu no corpo, 
cá dentro, onde se pôs à espreita.

Mas vivia com medo de a saber ali, 
usava a razão para me iluminar as noites, 
e até desligava os olhos para sonhar.

Certamente que, viajasse eu para dentro dos sonhos,
onde só os loucos tem coragem de chegar perto,
aí a encontraria, desperta e ansiosa.
Certamente...
Vivo agora, por milagre ou puro disparate.
Quando acordei daquele penoso e difícil momento,
em que decidi interromper o meu nascimento.
Vivo já, antes que seja tarde para viver,
no encontro do silêncio do mundo.
Vivo ainda,
insensatamente ignorando o prazer do próprio,
amadurecimento.
Vivo, sim vivo...
pois o que mais dura é este instante de agora, 
vivo,
e com os dedos faço por destruir as muralhas,
que a encerram cá dentro.
Mas,
em que sítio do corpo é que a alma vive livre?



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