Avançar para o conteúdo principal

Este velho dia, esta nova vida...

Gosto do dia de hoje. O dia 31 de Dezembro agrada-me, sobretudo porque me faz lembrar aquilo que significa: uma passagem, uma transição. E apraz-me sentir-me renovado, acreditar que todos os anos me é oferecida a oportunidade de mudar qualquer coisa, mesmo que nem mude nada, agrada-me imenso este sentido prenúncio de poder alterar qualquer coisa, de trazer algo de novo à minha vida. Agrada-me inclusive, ter o mero pretexto para o fazer, motivado pela luz de um novo e melhor futuro que se avizinha, pois é assim que opto por acreditar que ele será. E cada um de nós tem sempre opção, é uma escolha interior, forte, encarniçada, uma escolha da qual nada ou ninguém nos poderá alguma vez privar. Agrada-me a hipótese de me agarrar à vontade de mudar, pois é essa vontade que parece faltar, ou falhar nos restantes dias do ano. 
Sou talvez tolo por acreditar ingenuamente na efemeridade da mudança, mas pouco me importo com isso, pois neste dia, todos os sonhos parecem possíveis de virem a ser concretizados, toda a vontade inacabada, é preenchida com um novo fôlego, encho o peito e sinto-me capaz. Digo para mim próprio: "Tu és capaz!" - e mormente tudo possa se manter inalterado no dia seguinte, hoje não. Hoje, não penso em obstáculos, não me detenho em lamúrias, nem considero o negrume dos dias como um mau agouro, hoje não, não hoje.
Gosto assim deste dia. Desta forma titilante de ser pessoa, tão desprendida de desânimos, de frustrações, deste tão vulgar espírito excitante de recomeço. O derradeiro dia de cada ano faz-me querer ser um homem melhor, um homem animado pelo fulgor do rejuvenescimento. Hoje, sou esse homem, e acredito que, se pelo menos por um dia, todos se revestissem deste sentimento, poderíamos mudar o mundo. Hoje somente, ou para sempre, quem sabe. 
É a suave explosão do que é velho, do que é quebradiço e faz já parte do passado, e dá agora lugar à esperança, sim, é isso mesmo, à esperança. Sem grandes alaridos se preferirem, ou com o maior estrondo que o mundo já ouviu, se assim for o renascimento para vocês. Para mim é em silêncio, recolho-me em silêncio e digo apenas num murmúrio confiante: "Tu és capaz!" - E, neste dia sou.

Bom renascer para todos, e amanhã digam-me como foi.


Comentários

Mensagens populares deste blogue

A queda de um anjo triste.

Desafogados brilhos desta existência, quis olhar em frente, e vi somente escuro. Escuro, escória, lixo, lama e penetrante breu. Quis seguir em frente e não mo permitiram. Quis marcar presença, caí, e fui banido. Quis viver, e fui marcado a fogo com o rótulo do nada. Malditas palavras que me acendem esta vivência, pudera eu ser livre, e não viver por trás deste muro. Ser vento, ou poeira, e correr solto pelo esplendor deste céu. Malditas palavras que de mim emergiram, ainda mal as proferia, e já as via, abafadas em seu ruído, como se fossem pássaros, abatidos em revoada. Como eu mesmo, abatido assim, em tenra idade. Mas sosseguem, pois sou coisa irritante que insiste em não morrer. Malogrado pela estupidez do desprezo, sou, ainda assim, Homem! Homem! Homem... Estou vivo, e não desabo. Desafogado percurso que ainda mal começa, não verás teu fim nesta desdita amordaçada. Quis dizer o que quis, e não me faltou a vontade. Mais fáci...

...Poderia ser maior! Poderia ser um escritor, em vez deste blogue vagabundo que... foda-se!

  "On The Waterfront" 1954 - Elia Kazan

O Artista que faz falta Conhecer

Um dia desenhei um rectângulo largo em uma folha de papel-cavalinho, não foi salto nenhum, pois em anos antigos, já me tinha lançado a fazer rabiscos aqui e ali. Em pastel sobretudo, e uma vez cheguei ao acrílico, mas aquilo eram vãs tentativas sem finesse alguma. As artes plásticas são um mistério ainda, e uma das minhas grandes decepções como ser humano criador. Essa e a música. Creio até que terei começado a escrever por me faltar jeito para o desenho e para os instrumentos de sopro. Assim que voltemos ao meu rectângulo. Esquissei-o de vários ângulos e adicionei-lhes cornijas e janelas. Alguns sombreados. Linhas rectas e perspectiva autónoma, cor e até algum peso acumulado. Longe do real mas muito aproximado deste. Quando dei por mim tinha o Mosteiro (Stª. Clara) desenhado, em traços grosseiros e pôs-me feliz ter chegado ali, até me dar conta que cometera plágio. O meu subconsciente foi buscar o trabalho do Filipe Laranjeira ao banco da memória, e sem me pedir licença, copiou...